Por: Pe. Alex Cauchi (*)
Neste momento de tanto sofrimento e angústia, só precisa de solidariedade. E graças a Deus isso não falta! O povo alagoano sempre mostra o espírito solidário com as pessoas sofridas. E também quem não tem nada vai doando alguma coisa pra ajudar. Assim, juntando pouco de muitos se torna uma grande partilha para diminuir o sofrimento.
E depois?! A maioria acha que estas enchentes são apenas desastres naturais, então não tem nada a fazer. Mas quem pensa isso tá muito enganado, porque mais de metade deste sofrimento poderia ser evitado. Eu falo isso de uma experiência que eu passei 10 anos atrás em Murici também em uma enchente.
Vou colocar algumas reflexões e sugestões práticas:
O desmatamento – Aconteceu durante anos e ainda continua! Como muitos sabem as árvores seguram a água e depois vai soltando pouco a pouco. Por isso a importância das árvores nas margens dos rios. Então, todo mundo: usineiros, fazendeiros (os mais culpados), municípios através das secretarias de ambiente, saúde, ação social, educação têm que se empenhar para plantar fazer o reflorestamento;
O Êxodo rural – Muitas famílias foram expulsas das fazendas, outras apenas decidiram sair por falta de infra-estrutura como estradas, escola e saúde e até terra pra plantar. Algumas receberam casas do governo pra sair das fazendas que em contrapartida ofereceram o apoio político nas eleições e assim se livraram das responsabilidades trabalhistas e moradia dos moradores. Além de diversos problemas como drogas e violência, também tem a falta de trabalho e as casas foram construídas em áreas baixas onde é fácil de sofrer com as enchentes. (ex. Matriz de Camaragibe, entre outros). Como solução para muitos problemas, inclusive das enchentes são os assentamentos da reforma agrária!
Pena que os governos na sua maioria das vezes ajudam emergencialmente. Mas depois, mesmo com as promessas, até para ganhar eleições pouco fazem. Mas é de competência dos governos: limpar os rios, fazer pontes mais altas, (o caso da BR 104 que para o trânsito apenas porque a ponte ta muito baixa) abrir valetas...etc. Tem que ter políticas públicas sobre isso bem claras!
(*) Padre Alexander Cauchi atua na Arquidiocese de Maceió-AL desde 1995, é um missionário dedicado que acompanha as atividades da Comissão Pastoral da Terra. Atua efetivamente no serviço pastoral junto às famílias camponesas e em defesa da reforma agrária no Brasil.
Entre dois modelos de sociedade e produção agrícola
fonte: Jornal Sem Terra
A cada dia que passa fica mais difícil para a população fazer a feira e comprar as frutas, legumes e verduras para toda a família. O dinheiro gasto com aluguel, transporte, supermercado, roupa e remédio, entre outros, absorve grande parte do orçamento dos brasileiros. O aumento do salário mínimo não vem sendo suficiente para recuperar o poder de compra perdido nos últimos 25 anos. Mais de 90% dos empregos no país têm como teto dois salários mínimos, o que não chega a R$ 800. O resultado é que 72 milhões de pessoas não comem o suficiente.O desemprego e o empobrecimento da população têm impactos diretos na agricultura brasileira e, principalmente, nas 4 milhões de famílias que têm pequenas propriedades, onde são produzidos 70% dos alimentos consumidos, segundo dados do Ministério da Agricultura. O enfraquecimento do mercado interno diminui o consumo de mercadorias pelos trabalhadores e rebaixa o preço dos produtos agrícolas, o que estrangula os pequenos agricultores que dão prioridade para a plantação de alimentos.“Estamos prisioneiros pela opção da elite nacional, que praticamente abandonou a política do pleno emprego, da produção e do trabalho em nome da financeirização da riqueza”, afirma o economista Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).No meio rural, a opção da classe dominante, com apoio dos governos, foi o chamado agronegócio, caracterizado pela produção de monocultura para exportação em grandes extensões de terra, de forma mecanizada e com pouca mão-de-obra. Como produz para fora, o setor está independe do crescimento dos salários do povo brasileiro.“É um eufemismo para a atual fase do capitalismo no campo, marcada pelo aumento da taxa de exploração da mão-de-obra, pela exclusão, pela violência, pela concentração fundiária e pela degradação ambiental”, afirma José Juliano de Carvalho Filho, economista e integrante da equipe que elaborou a proposta de 2º Plano Nacional de Reforma Agrária para o governo Lula, em 2003.Nesse contexto, os problemas dos pequenos produtores e dos pobres das cidades são duas faces da mesma moeda: a ausência de um projeto de desenvolvimento nacional. O que está em jogo são duas formas de organização da sociedade, que carregam no seu seio dois modos de produção agrícola.De um lado, o projeto neoliberal impõe as plantações valorizadas nas principais bolsas de valores do mundo. Atualmente, os investimentos mais lucrativos apontam para soja, milho, eucalipto, cana-de-açúcar e algodão, as chamadas commodities que tem preço estipulado no mercado financeiro.“O agronegócio é uma grande aliança entre as empresas transnacionais que controlam os insumos, o mercado internacional, os preços dos produtos agrícolas, associadas aos grandes proprietários capitalistas. Eles querem produzir apenas mercadorias que dêem lucro e para o mercado externo”, aponta o integrante da direção nacional do MST, João Pedro Stedile.De outro lado, a alternativa é a construção de um projeto de desenvolvimento com soberania nacional, crescimento econômico, distribuição efetiva de renda, preservação do meio ambiente e dinamização do mercado interno, que comporta a pequena agricultura voltada para o abastecimento da população.
A cada dia que passa fica mais difícil para a população fazer a feira e comprar as frutas, legumes e verduras para toda a família. O dinheiro gasto com aluguel, transporte, supermercado, roupa e remédio, entre outros, absorve grande parte do orçamento dos brasileiros. O aumento do salário mínimo não vem sendo suficiente para recuperar o poder de compra perdido nos últimos 25 anos. Mais de 90% dos empregos no país têm como teto dois salários mínimos, o que não chega a R$ 800. O resultado é que 72 milhões de pessoas não comem o suficiente.O desemprego e o empobrecimento da população têm impactos diretos na agricultura brasileira e, principalmente, nas 4 milhões de famílias que têm pequenas propriedades, onde são produzidos 70% dos alimentos consumidos, segundo dados do Ministério da Agricultura. O enfraquecimento do mercado interno diminui o consumo de mercadorias pelos trabalhadores e rebaixa o preço dos produtos agrícolas, o que estrangula os pequenos agricultores que dão prioridade para a plantação de alimentos.“Estamos prisioneiros pela opção da elite nacional, que praticamente abandonou a política do pleno emprego, da produção e do trabalho em nome da financeirização da riqueza”, afirma o economista Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).No meio rural, a opção da classe dominante, com apoio dos governos, foi o chamado agronegócio, caracterizado pela produção de monocultura para exportação em grandes extensões de terra, de forma mecanizada e com pouca mão-de-obra. Como produz para fora, o setor está independe do crescimento dos salários do povo brasileiro.“É um eufemismo para a atual fase do capitalismo no campo, marcada pelo aumento da taxa de exploração da mão-de-obra, pela exclusão, pela violência, pela concentração fundiária e pela degradação ambiental”, afirma José Juliano de Carvalho Filho, economista e integrante da equipe que elaborou a proposta de 2º Plano Nacional de Reforma Agrária para o governo Lula, em 2003.Nesse contexto, os problemas dos pequenos produtores e dos pobres das cidades são duas faces da mesma moeda: a ausência de um projeto de desenvolvimento nacional. O que está em jogo são duas formas de organização da sociedade, que carregam no seu seio dois modos de produção agrícola.De um lado, o projeto neoliberal impõe as plantações valorizadas nas principais bolsas de valores do mundo. Atualmente, os investimentos mais lucrativos apontam para soja, milho, eucalipto, cana-de-açúcar e algodão, as chamadas commodities que tem preço estipulado no mercado financeiro.“O agronegócio é uma grande aliança entre as empresas transnacionais que controlam os insumos, o mercado internacional, os preços dos produtos agrícolas, associadas aos grandes proprietários capitalistas. Eles querem produzir apenas mercadorias que dêem lucro e para o mercado externo”, aponta o integrante da direção nacional do MST, João Pedro Stedile.De outro lado, a alternativa é a construção de um projeto de desenvolvimento com soberania nacional, crescimento econômico, distribuição efetiva de renda, preservação do meio ambiente e dinamização do mercado interno, que comporta a pequena agricultura voltada para o abastecimento da população.
A UNIVERSIDADE PRECISA, URGENTEMENTE, RECUPERAR O PENSAMENTO DE Karl Marx
A partir do s anos oitenta, com a ascensão do pensamento neoliberal, que teve a ousadia de pregar o fim da história, ou seja, negar o movimento histórico como um movimento que não se prende as leis da moral kantiana, nem a compreensão da realidade a partir dos fenômenos que se visualizam a partir do imediato de Spinoza e Pascal. Negou-se o pensador Mar f filósofo a leitura do mundo real a partir das contradições que fazem parte do próprio movimento real das coisas. Se para o pensador Hegel a dialética conduziria a sociedade absoluto negando o movimento dialético que aponta sempre para um vir a ser (Heráclito). Neste sentido Marx nega Hegel ´ ao entender que a história não se afirma por um antes e nem por um depois, mas pela sua dialeticidade.Por isso na história nada pode ser absolutizado, afirmado como fim em si mesmo. Os neoliberais absolutizaram o modo de produção capitalista. Marx, ao dizer que na história e por ser ela um movimento real, nada pode ser absolutizado, disse que o próprio modo de produção capitalista gera dentro dele, por meio de suas contradições, sua negação, ou seja, outro modo de organizar a produçãoO processo de produção, mercantilizarão, e acumulo de lucro produz sua própria negação. A acumulação carga dentro de si a negação da não acumulação na medida que o próprio movimento histórico ,pó meio de seu sujeito político revolucionário; a classe trabalhadora vai superando os imediatismos e se assumindo como negação que mais lhe nega; a acumulação do capital nas mãos das classes dominante.Lastimavelmente,, grande parte da juventude dentro do meio acadêmico se ve muito mais Fukiamista, Hegeliana, Spiniziana, Permenediana, onde tudo volta ao começo, sem viver as contradições e se absoluto. Essa visão pessimista, que nos nega como sujeitos que transformam o mundo só se supra lendo e compreendendo o movimento dialético real de Marx. O mundo das verdades eternas, do orgulho da ciência, da absolutização do capital nunca esteve tão frágil e tão sujeito ás tamanhas derrocadas como no momento histórico que estamos em curso.E, dentro desta compreensão da absolutização e da negação estamos vendo como o modo de produção capitalista vive profundamente sua superação: a ciência cada vez se orgulha e se afirma como verdade eterna, o mercado, o consumo. Etc. Olha o que Marx disse sobre o avanço do capitalismo: “quanto mais a sociedade se unifica economicamente mais ela necessita de socialismo. E Marx continua “quanto mais o mundo das coisas ganham valor, mais o mundo dos homens se desvaloriza”.Por isso, companheiros e companheiras, nunca na história das sociedades, o estudo sobre o materialismo histórico, materialismo dialético, ideologia Alemã e a Sagrada família de Marx fizeram-se tão importante para nossa militância como neste tempo que se chama hoje. As crises por si mesmas não levarão à revolução. As lutas sindicais e econômicas também não conduzirão à revolução. É preciso fazer a avançar a luta ideológica, a compreensão profunda da luta de classes e, acima de tudo, a criação de um partido revolucionário. As crises ajudam revelar os sintomas de como o modo de produção vigente se encontra. As crises nos ajudam arquitetar nossas ações, daí a necessidade do estudo e da organicidade.
Derli - MPA Nordeste
fonte: mpaalagoas.blogspot.com
ALAGOAS E HAITI,DUAS FACES DE UMA MESMA TRAGEDIA
O número de atingidos pelas fortes chuvas que assolaram Alagoas na última sexta-feira, 19 de Junho de 2010, são desoladores. De acordo com dados divulgados pela Defesa Civil do estado em 21 de Junho, as enchentes dos rios Mundaú e Paraíba atingiram 177.282 pessoas, deixando mais de 600 desaparecidos e 26 mortos. Ao todo, 26 municípios foram afetados pelas enchentes. São dados alarmantes, mas seria no mínimo insano compará-los aos 300 mil mortos e mais de 1 milhão de desabrigados que o terremoto de 12 de Janeiro de 2010 acarretou no Haiti. Nesse caso a comparação é válida não pela quantidade, mas sim pela qualidade.
Tendo praticamente a mesma extensão territorial, Alagoas e Haiti guardam também outras semelhanças históricas. Em suas terras surgiram dois marcos da luta pela liberdade nas Américas. Zumbi, Dandara, Ganga Zumba, Acotirene e os quilombolas de Palmares combateram a escravidão negra e criaram em plena Serra da Barriga uma sociedade livre e igualitária que resistiu por mais de um século contra as ofensivas dos senhores-de-engenho e capitães do mato. Menos de cem anos após a morte de Zumbi em terras alagoanas, Toussaint Louverture, Capóis La Mort, Alexander Petion, Henri Kristophe e Jean Jacques Dessalines lideraram aquela que foi a primeira revolução vitoriosa de escravos que se têm notícia na história da humanidade. Em 1804, o Haiti se tornava independente, abolia a escravidão e iniciava um processo popular de reforma agrária.
Essa ousadia foi punida severamente pelos senhores de engenho de ontem e de hoje e, ao que parece, Alagoas e Haiti foram escolhidos como símbolos de sua opressão e imponência. Ao Haiti, após 1804, foi imposta uma descabida e impagável “dívida da independência” por parte dos Franceses, seguida de vinte anos de ocupação militar estadunidense (1915-1934) e uma ditadura sanguinária dos Duvalier pai e filho, que em trinta anos (1957-1986) assassinou cerca de 30.000 haitianos. Com a abertura política no final da década de 80, a esperança de mudanças surgiu com a chegada ao poder do Padre Jean Bertrand Aristide em 1990, mas foi extinta menos de um ano depois com mais um golpe militar sob os auspícios de Washington. Desde então, o país não conseguiu encontrar o equilíbrio e autonomias suficientes para caminhar com as próprias pernas. Situação que só se agravou com a ocupação militar da MINUSTAH em 2004, liderada pelo exército brasileiro. O resultado é que o Haiti é hoje a nação mais pobre do continente americano, com 56% da população abaixo da linha da pobreza e com uma expectativa de vida de 58,1 anos. Isso sem contabilizar as conseqüências do terremoto de 12 de Janeiro.
Não houve ocupações militares da ONU ou dos Estados Unidos em Alagoas, é fato, mas em compensação o estado vive sob uma ditadura ferrenha que já dura séculos e que ceifou mais vidas que qualquer outro regime ditatorial nas Américas: a ditadura da Cana. Mesmo sendo o segundo menor estado em extensão no Brasil, Alagoas está entre os cinco maiores produtores de cana-de-açúcar do país. São 448 mil hectares destinados para esse monocultivo, com uma produção que se aproxima dos 30 milhões de toneladas de cana por ano. Isso só é possível graças à devastação ambiental e à exploração dos trabalhadores. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o estado é o terceiro do país em índices de trabalho escravo, e o primeiro da região Nordeste com mais casos de trabalho escravo no campo. Somente em 2008, foram libertados 656 trabalhadores escravos, todos saídos dos canaviais. O resultado é que Alagoas sustenta hoje o pior Índice de Desenvolvimento Humano, a maior taxa de mortalidade infantil, o maior índice de analfabetismo e a menor expectativa de vida dentre todos os estados do país. Isso sem contabilizar as conseqüências das enchentes de 19 de Junho.
Fenômenos naturais podem agravar, mas não criam a miséria. No Haiti e Alagoas, a miséria já existia antes de qualquer terremoto ou enchente.
Os negócios da Catástrofe
Nos dias que se seguiram ao terremoto de janeiro, a devastada Porto Príncipe se tornou o local de peregrinação preferido para políticos e personalidade de todo mundo expressarem sua compaixão. Sobrevoando as ruínas em seus helicópteros, declararam com voz embargada suas condolências perante as câmeras de televisão e reafirmam compromissos de ajuda às vítimas do terremoto. O fenômeno parece se repetir em terras caetés. Campanhas para arrecadação de alimentos e agasalhos, visita do Ministro de Integração Nacional aos municípios afetados, discursos emocionados de governadores e candidatos à presidência, promessas de verbas e ajudas às vítimas das enchentes.
No caso de Alagoas ainda é cedo para tal conclusão, mas passados quase seis meses do terremoto no Haiti, pode-se dizer que essa compaixão tem prazo de validade e não resiste a novas manchetes internacionais.
As ruínas ainda dificultam o tráfego pelas ruas de Porto Príncipe e não se vê nenhuma movimentação por parte das tropas da ONU ou de qualquer outra entidade internacional para a retirada dos escombros, muito menos para a reconstrução das casas e edifícios. Os acampamentos improvisados se proliferam por praças e terrenos baldios e as únicas ações visíveis do governo são recomendações de higiene espalhadas em baners e faixas, além de escassos mutirões de voluntários que retiram com as próprias mãos os entulhos dos prédios.
Não que falte dinheiro. A Conferência Internacional de Doadores Rumo a um Novo Futuro para o Haiti ocorrida em 31 de março no escritório das Nações Unidas em Nova Iorque definiu a quantia de U$ 9,9 bilhões a serem desembolsados para a reconstrução do país, sendo que U$ 5,3 bilhões serão usados já nos próximos dois anos.
Acontece que o a idéia de reconstrução desses doadores é bastante peculiar. Como afirmou o empresário estadunidense Bradley J. Horwitz durante a Conferência de Nova Iorque “o que é bom para os negócios é bom para o país”. Portanto, quando esses doadores falam em beneficiar a agricultora haitiana, o que eles querem dizer de fato é que irão financiar o monocultivo da manga para que a Coca-Cola possa lançar no mercado um novo refrigerante feito a partir desta fruta. Quando falam em facilitar a exportação de produtos têxteis especializados haitianos e criar mais de 100.000 empregos no país, o que querem dizer de fato é que irão aumentar a lucratividade das indústrias ‘maquiladoras’ estadunidenses instaladas no Haiti, que não pagam nenhum imposto e não respeitam os mais elementares direitos trabalhistas. Quando falam em melhorar a infra-estrutura com a construção de novas estradas, eles buscam de fato garantir o lucro de empresas como a espanhola Elsamex S.A., que recebeu 32 milhões de euros para construir uma estrada de 43 km de extensão. Por fim, quando falam em melhorar os serviços públicos, esses doadores cogitam transformar o Haiti na primeira ‘nação totalmente wirelles’ do Caribe, uma empreitada que será levada a cabo pela empresa de Bradley Horwitz.
A indústria da Cheia
De fato, seria inconcebível fazer uma transposição rasa da conjuntura haitiana para a realidade de Alagoas. Entretanto, acreditar que os recursos a serem enviados a Alagoas após as enchentes de 19 de junho irão transformar o estado num “território totalmente wirelles” é tão improvável quanto acreditar que eles vão realmente chegar às mãos das mais de 177 mil vítimas das chuvas. Para os desavisados, é bom não esquecer que estamos tratando de um estado onde há não menos de cinco anos foi deflagrada pela Polícia Federal a Operação Gabiru, responsável pela prisão de 31 pessoas, entre elas oito prefeitos, quatro ex-prefeitos, secretários municipais e empresários, suspeitas de desviar dinheiro destinado à merenda escolar e lavagem de dinheiro. Todos os prefeitos foram soltos e muitos continuam a frente de cargos públicos.
Mas não é só na baixa política que a corrupção se alastra em Alagoas. Dois dos atuais senadores alagoanos também estiveram envolvidos em escândalos políticos. Renan Calheiros viu seu nome ligado a uma série de denúncias de desvio de dinheiro público no ano de 2007, no que ficou conhecido como Caso Renangate. Corrupção e desvio de verbas públicas também foram os motivos do impeachment de Fernando Collor de Mello quando era presidente da república em 1992.
Diante desse quadro, aumentam as possibilidades de que se repita em Alagoas o que ocorreu em outros estados do Nordeste no primeiro semestre de 2009, quando fortes chuvas provocaram enchentes em diversos estados da região, atingindo principalmente Maranhão, Piauí e Ceará. Mais de 1 milhão e 300 mil pessoas foram afetadas, sendo que 450 mil ficaram desalojadas e desabrigadas.
Como relatou naquela ocasião Hortência Mendes, pedagoga e integrante da Cáritas Regional Piauí, “se na Indústria da Seca, a seca era usada para o interesse dos políticos, agora já começa a ter uma Indústria da Cheia. Porque na hora que começa a chover todos os prefeitos dizem “Estado de Calamidade Pública”, “Estado de Emergência”, para quê? Para receber recursos do governo federal. Os recursos vem e não são aplicados”. E continua a denúncia: “Ano passado, o que nós soubemos é que o Piauí recebeu R$ 126 milhões para trabalhar com as situações de emergência causadas pelas enchentes. Em todo lugar que nós fomos, não vimos esse recurso ser aplicado. Esse ano todos os municípios estão pedindo de novo dinheiro para o Governo Federal. Mas o que vemos são as pessoas fazendo suas próprias casas, indo atrás do barro, para levantar a casa de taipa.”
Entre agasalhos e canaviais
Os exemplos do Haiti e das enchentes anteriores no nordeste evidenciam que a simples doação de agasalhos, alimentos e campanhas de solidariedade na internet servem apenas para aplacar algumas consciências e suprir as necessidades emergenciais das vítimas das catástrofes. Entretanto, nem todos os agasalhos e cestas básicas do mundo impedirão que novas chuvas caiam no ano que vem e encontrem a mesma falta de infra-estrutura nos municípios, junto com o deserto verde da cana-de-açúcar se alastrando pelas matas e margens dos rios, impedindo a captação da chuva pelo solo e aumentando o assoreamento dos rios.
Nesses momentos de catástrofe, o mais sábio seria buscar compreender e combater suas causas e não se resumir apenas a lidar com suas conseqüências. No Haiti, diante das ruínas e da dor do terremoto, diversos setores da sociedade começam a se organizar em busca de uma verdadeira reconstrução do país, que crie um outro modelo de organização política, econômica e agrária a ser levada adiante pelo povo e não a partir dos escritórios de Porto Príncipe. Um exemplo tangível para seus pares alagoanos.
POVO ALAGOANO GOBALIZMOS A LUTA!
GOBALIZEMOS A ESPERANÇA!
GOBALIZEMOS A ESPERANÇA!
Incra negocia compra de voto, acusam os sem-terra
Órgão estaria privilegiando movimentos que firmam acordo para eleger Coutinho Trabalhadores rurais sem-terra acusam a direção do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Alagoas de usar a estrutura do órgão como barganha para extorquir apoio na campanha eleitoral. As denúncias apontam na direção do ex-superintendente do Incra e candidato a deputado federal pelo PT, Gilberto Coutinho, e do gestor que o substitui no cargo, Estevão de Oliveira, considerado um ferrenho cabo eleitoral de Coutinho.Entidades que atuam com os sem-terra repudiam a prática dos representantes do Incra, mas o Movimento pela Libertação dos Sem-Terra (MLST) é mais contundente nas críticas. Assentados e lideranças do MLST afirmam que o Incra está sendo usado como um escritório político, onde ocorrem negociatas com ofertas de vantagens e trocas de favores por votos para o ex-superintendente e outros candidatos apoiados por ele. Segundo o coordenador estadual do MST, Marcos Antônio da Silva, o Marrom, quem aceita fazer campanha para o candidato do Incra recebe privilégios como prioridade na vistoria de terras, convênios, verbas de custeio, acompanhamento técnico, cursos, material de construção e até sementes para consumo. "A atual gestão chama lideranças para reuniões individuais, dentro da sede do Incra, ou oferece um almoço, um café da manhã, recebe a pauta de reivindicações e condiciona o cumprimento dela à questão eleitoral", afirma Marrom.
Fonte: Gazeta de Alagoas
Fonte: Gazeta de Alagoas
domingo,06 de junho de 2010
Que classe a midia nos ultimos tempos tem representado e qual seu projeto politico social ?
A mídia tem papel de socializar humanizar a mentalidade dos usuários .Ela a Tranformará na linha determinada pela filosofia de valores própria do projeto politico social. (Alfredo Bosi)
"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar." (Bertold Brecht - Nada é impossível de mudar)
CONVERSA AFIADA (Paulo Henrique Amorim)
Entrevista dada no dia 28 de março de 2010
Carter: Kátia Abreu recebe 25 vezes mais dinheiro do Governo do que o MST
Em dezembro de 2009, Miguel Carter concluiu o trabalho de organizar o livro ‘Combatendo a Desigualdade Social – O MST e a Reforma Agrária no Brasil.’. É um lançamento da Editora UNESP, que reúne colaborações de especialistas sobre a questão agrária e o papel do MST pela luta pela Reforma Agrária no Brasil.
Esta semana, ele conversou com Paulo Henrique Amorim, por telefone.
PHA – Professor Miguel, o senhor é professor de onde?
MC – Eu sou professor da American University, em Washington D.C.
PHA – Há quanto tempo o senhor estuda o problema agrário no Brasil e o MST?
MC- Quase duas décadas já. Comecei com as primeiras pesquisas no ano de 91.
PHA – Eu gostaria de tocar agora em alguns pontos específicos da sua introdução “Desigualdade Social Democracia no Brasil”. O senhor descreve, por exemplo, a manifestação de 2 de maio de 2005, em que, por 16 dias, 12 mil membros do MST cruzaram o serrado para chegar a Brasília. O senhor diz que, provavelmente, esse é um dos maiores eventos de larga escala do tipo marcha na história contemporânea. Que comparações o senhor faria ?
MC – Não achei outra marcha na história contemporânea mundial que fosse desse tamanho. A gente tem exemplo de outras mobilizações importantes, em outros momentos, mas não se comparam na duração e no numero de pessoas a essa marcha de 12 mil pessoas. Houve depois, como eu relatei no rodapé, uma mobilização ainda maior na Índia, também de camponeses sem terra. Mas a de 2005 era a maior marcha.
PHA – O senhor compara esse evento, que foi no dia 2 de maio de 2005, com outro do dia 4 de junho de 2005 – apenas 18 dias após a marcha do MST – com uma solenidade extremamente importante aqui em São Paulo que contou com Governador Geraldo Alckmin, sua esposa, Dona Lu Alckmin, e nada mais nada menos do que um possível candidato do PSDB a Presidência da República, José Serra, que naquela altura era prefeito de São Paulo. Também esteve presente Antônio Carlos Magalhães, então influente senador da Bahia. Trata-se da inauguração da Daslu. Por que o senhor resolver confrontar um assunto com o outro ?
MC – Porque eu achei que começar o livro com simples estatísticas de desigualdades sociais seria um começo muito frio. Eu acho que um assunto como esse precisa de uma introdução que também suscite emoções de fato e (chame a atenção para) a complexidade do fenômeno da desigualdade no Brasil. A coincidência de essa marcha ter acontecido quase ao mesmo tempo em que se inaugurava a maior loja de artigos de luxo do planeta refletia uma imagem, um contraste muito forte dessa realidade gravíssima da desigualdade social no Brasil. E mostra nos detalhes como as coisas aconteciam, como os políticos se posicionavam de um lado e de outro, como é que a grande imprensa retratava os fenômenos de um lado e de outro.
PHA – O senhor sabe muito bem que a grande imprensa brasileira – que no nosso site nós chamamos esse pessoal de PiG (Partido da Imprensa Golpista) - a propósito da grande marcha do MST, a imprensa ficou muito preocupada como foi financiada a marcha. O senhor sabe que agora está em curso uma Comissão Parlamentar de Inquérito Mista, que reúne o Senado e a Câmara, para discutir, entre outras coisas, a fonte de financiamento do MST. Como o senhor trata essa questão ? De onde vem o dinheiro do MST ?
MC _ Tem um capítulo 9 de minha autoria feito em conjunto com o Horácio Marques de Carvalho que tem um segmento que trata de mostrar o amplo leque de apoio que o MST tem, inclusive e apoio financeiro.
PHA – O capítulo se chama “Luta na terra, o MST e os assentamentos” - é esse ?
MC – Exatamente. Há uma parte onde eu considero sete recursos internos que o MST desenvolveu para fortalecer sua atuação, nesse processo de fazer a luta na terra, de fortalecer as suas comunidades, seus assentamentos. E aí tem alguns detalhes, alguns números interessantes. Porque eu apresento dados do volume de recursos que são repassados para entidades parceiras por parte do Governo Federal. Eu sublinho no rodapé dessa mesma página o fato de que as principais entidades ruralistas do Brasil têm recebido 25 vezes mais subsídios do Governo Federal (do que o MST). E o curioso de tudo isso é que só fiscalizado como pobre recebe recurso público. Mas, sobre os ricos, que recebem um volume de recursos 25 vezes maior que o dos pobres, (sobre isso) ninguém faz nenhuma pergunta, ninguém fiscaliza nada. Parece que ninguém tem interesse nisso. E aí o Governo Federal subsidia advogados, secretárias, férias, todo tipo de atividade dos ruralistas. Então chama a atenção que propriedade agrária no Brasil, ainda que modernizada e renovada, continua ter laços fortes com o poder e recebe grande fatia de recursos públicos. Isso são dados do próprio Ministério da Agricultura, mencionados também nesse capítulo. Ainda no Governo Lula, a agricultura empresarial recebeu sete vezes mais recursos públicos do que a agricultura familiar. Sendo que a agricultura familiar emprega 80% ou mais dos trabalhadores rurais.
PHA – Qual é a responsabilidade da agricultura familiar na produção de alimentos na economia brasileira ?
MC – Na página 69 há muitos dados a esse respeito.
PHA- Aqui: a mandioca, 92% saem da agricultura familiar. Carne de frango e ovos, 88%. Banana, 85%.. Feijão, 78%. Batata, 77%. Leite, 71%. E café, 70%. É o que diz o senhor na página 69 sobre o papel da agricultura familiar. Agora, o senhor falava de financiamentos públicos. Confederação Nacional da Agricultura, presidida pela senadora Kátia Abreu, que talvez seja candidata a vice-presidente de José Serra, a Confederação Nacional da Agricultura recebe do Governo Federal mais dinheiro do que o MST ?
MC – Muito mais. Essas entidades ruralistas em conjunto, a CNA, a SRB, aquela entidade das grandes cooperativas, em conjunto elas recebem 25 vezes do valor que recebem as entidades parceiras do MST. Esses dados, pelo menos no período 1995 e 2005, fizeram parte do relatório da primeira CPI do MST. O relatório foi preparado pelo deputado João Alfredo, do Ceará.
PHA – O senhor acredita que o MST conseguirá realizar uma reforma agrária efetiva ? A sua introdução mostra que a reforma agrária no Brasil é a mais atrasada de todos os países que fazem ou fizeram reforma agrária. Que o Brasil é o lanterninha da reforma agrária. Eu pergunto: por que o MST não consegue empreender um ritmo mais eficaz ?
MC – Em primeiro lugar, a reforma agrária é feita pelo Estado. O que os movimentos sociais como o MST e os setenta e tantos outros que existem em todo o Brasil fazem é pressionar o Estado para que o Estado cumpra o determinado na Constituição. É a cláusula que favorece a reforma agrária. O MST não é responsável por fazer. É responsável por pressionar o Governo. Acontece que nesse país de tamanha desigualdade, a história da desigualdade está fundamentalmente ligada à questão agrária. Claro que, no século 20, o Brasil, se modernizou, virou muito mais complexo, surgiu todo um setor industrial, um setor financeiro, um comercial. E a (economia) agrária já não é mais aquela, com tanta presença no Brasil. Mas, ainda sim, ficou muito forte pelo fato de o desenvolvimento capitalista moderno no campo, nas últimas décadas, ligar a propriedade agrária ao setor financeiro do país. É o que prova, por exemplo, de um banqueiro (condenado há dez anos por subornar um agente federal – PHA) como o Dantas acabar tendo enormes fazendas no estado do Pará e em outras regiões do Brasil. Houve então uma imbricação muito forte entre a elite agrária e a elite financeira. E agora nessa última década ela se acentuou num terceiro ponto em termos de poder econômico que são os transacionais, o agronegócio. Cargill, a Syngenta… Antes, o que sustentava a elite agrária era uma forte aliança patrimonialista com o Estado. Agora, essa aliança se sustenta em com setor transacional e o setor financeiro.
PHA – Um dos sustos que o MST provoca na sociedade brasileira, sobretudo a partir da imprensa, que eu chamo de PiG, é que o MST pode ser uma organização revolucionária – revolucionária no sentido da Revolução Russa de 1917 ou da Revolução Cubana de 1959. Até empregam aqui no Brasil, como economista Xico Graziano, que hoje é secretário de José Serra, que num artigo que o senhor fala em “terrorismo agrário”. E ali Graziano compara o MST ao Primeiro Comando da Capital. O Primeiro Comando da Capital, o PCC, que, como se sabe ocupou por dois dias a cidade de São Paulo, numa rebelião histórica. Eu pergunto: o MST é uma instituição revolucionária ?
MC – No sentido de fazer uma revolução russa, cubana, isso uma grande fantasia. E uma fantasia às vezes alardeada com maldade, porque eu duvido que uma pessoa como o Xico Graziano, que já andou bastante pelo campo no Brasil, não saiba melhor. Ele sabe melhor. Mas eu acho que (o papel do) MST é (promover) uma redistribuição da propriedade. E não só isso, (distribuição) de recursos públicos, que sempre privilegiou os setores mais ricos e poderosos do país. Há, às vezes, malícia mesmo de certos jornalistas, do Xico Graziano, Zander Navarro, dizendo que o MST está fazendo uma tomada do Palácio da Alvorada. Eles nunca pisaram em um acampamento antes. Então, tem muito intelectual que critica sem saber nada. O importante desse (“Combatendo a desigualdade social”) é que todos os autores têm longos anos de experiência (na questão agrária). A grande maioria tem 20, 30 anos de experiência e todos eles têm vivência em acampamento e assentamentos. Então conhecem a realidade por perto e na pele. O Zander Navarro, por exemplo, se alguma vez acompanhou de perto o MST, foi há mais de 15 anos. Tem que ter acompanhamento porque o MST é de fato um movimento.
PHA – Ou seja, na sua opinião há uma hipertrofia do que seja o MST ? Há um exagero exatamente para criar uma situação política ?
MC – Exatamente. Eu acho que há interesse por detrás desse exagero. O exagero às vezes é inocente por gente que não sabe do assunto. Mas às vezes é malicioso e procura com isso criar um clima de opinião para reprimir, criminalizar o MST ou cortar qualquer verba que possa ir para o setor mais pobre da sociedade brasileira. Há muito preconceito de classe por trás (desse exagero).
(*)Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista
Que classe a midia nos ultimos tempos tem representado e qual seu projeto politico social ?
A mídia tem papel de socializar humanizar a mentalidade dos usuários .Ela a Tranformará na linha determinada pela filosofia de valores própria do projeto politico social. (Alfredo Bosi)
"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar." (Bertold Brecht - Nada é impossível de mudar)
CONVERSA AFIADA (Paulo Henrique Amorim)
Entrevista dada no dia 28 de março de 2010
Carter: Kátia Abreu recebe 25 vezes mais dinheiro do Governo do que o MST
Em dezembro de 2009, Miguel Carter concluiu o trabalho de organizar o livro ‘Combatendo a Desigualdade Social – O MST e a Reforma Agrária no Brasil.’. É um lançamento da Editora UNESP, que reúne colaborações de especialistas sobre a questão agrária e o papel do MST pela luta pela Reforma Agrária no Brasil.
Esta semana, ele conversou com Paulo Henrique Amorim, por telefone.
PHA – Professor Miguel, o senhor é professor de onde?
MC – Eu sou professor da American University, em Washington D.C.
PHA – Há quanto tempo o senhor estuda o problema agrário no Brasil e o MST?
MC- Quase duas décadas já. Comecei com as primeiras pesquisas no ano de 91.
PHA – Eu gostaria de tocar agora em alguns pontos específicos da sua introdução “Desigualdade Social Democracia no Brasil”. O senhor descreve, por exemplo, a manifestação de 2 de maio de 2005, em que, por 16 dias, 12 mil membros do MST cruzaram o serrado para chegar a Brasília. O senhor diz que, provavelmente, esse é um dos maiores eventos de larga escala do tipo marcha na história contemporânea. Que comparações o senhor faria ?
MC – Não achei outra marcha na história contemporânea mundial que fosse desse tamanho. A gente tem exemplo de outras mobilizações importantes, em outros momentos, mas não se comparam na duração e no numero de pessoas a essa marcha de 12 mil pessoas. Houve depois, como eu relatei no rodapé, uma mobilização ainda maior na Índia, também de camponeses sem terra. Mas a de 2005 era a maior marcha.
PHA – O senhor compara esse evento, que foi no dia 2 de maio de 2005, com outro do dia 4 de junho de 2005 – apenas 18 dias após a marcha do MST – com uma solenidade extremamente importante aqui em São Paulo que contou com Governador Geraldo Alckmin, sua esposa, Dona Lu Alckmin, e nada mais nada menos do que um possível candidato do PSDB a Presidência da República, José Serra, que naquela altura era prefeito de São Paulo. Também esteve presente Antônio Carlos Magalhães, então influente senador da Bahia. Trata-se da inauguração da Daslu. Por que o senhor resolver confrontar um assunto com o outro ?
MC – Porque eu achei que começar o livro com simples estatísticas de desigualdades sociais seria um começo muito frio. Eu acho que um assunto como esse precisa de uma introdução que também suscite emoções de fato e (chame a atenção para) a complexidade do fenômeno da desigualdade no Brasil. A coincidência de essa marcha ter acontecido quase ao mesmo tempo em que se inaugurava a maior loja de artigos de luxo do planeta refletia uma imagem, um contraste muito forte dessa realidade gravíssima da desigualdade social no Brasil. E mostra nos detalhes como as coisas aconteciam, como os políticos se posicionavam de um lado e de outro, como é que a grande imprensa retratava os fenômenos de um lado e de outro.
PHA – O senhor sabe muito bem que a grande imprensa brasileira – que no nosso site nós chamamos esse pessoal de PiG (Partido da Imprensa Golpista) - a propósito da grande marcha do MST, a imprensa ficou muito preocupada como foi financiada a marcha. O senhor sabe que agora está em curso uma Comissão Parlamentar de Inquérito Mista, que reúne o Senado e a Câmara, para discutir, entre outras coisas, a fonte de financiamento do MST. Como o senhor trata essa questão ? De onde vem o dinheiro do MST ?
MC _ Tem um capítulo 9 de minha autoria feito em conjunto com o Horácio Marques de Carvalho que tem um segmento que trata de mostrar o amplo leque de apoio que o MST tem, inclusive e apoio financeiro.
PHA – O capítulo se chama “Luta na terra, o MST e os assentamentos” - é esse ?
MC – Exatamente. Há uma parte onde eu considero sete recursos internos que o MST desenvolveu para fortalecer sua atuação, nesse processo de fazer a luta na terra, de fortalecer as suas comunidades, seus assentamentos. E aí tem alguns detalhes, alguns números interessantes. Porque eu apresento dados do volume de recursos que são repassados para entidades parceiras por parte do Governo Federal. Eu sublinho no rodapé dessa mesma página o fato de que as principais entidades ruralistas do Brasil têm recebido 25 vezes mais subsídios do Governo Federal (do que o MST). E o curioso de tudo isso é que só fiscalizado como pobre recebe recurso público. Mas, sobre os ricos, que recebem um volume de recursos 25 vezes maior que o dos pobres, (sobre isso) ninguém faz nenhuma pergunta, ninguém fiscaliza nada. Parece que ninguém tem interesse nisso. E aí o Governo Federal subsidia advogados, secretárias, férias, todo tipo de atividade dos ruralistas. Então chama a atenção que propriedade agrária no Brasil, ainda que modernizada e renovada, continua ter laços fortes com o poder e recebe grande fatia de recursos públicos. Isso são dados do próprio Ministério da Agricultura, mencionados também nesse capítulo. Ainda no Governo Lula, a agricultura empresarial recebeu sete vezes mais recursos públicos do que a agricultura familiar. Sendo que a agricultura familiar emprega 80% ou mais dos trabalhadores rurais.
PHA – Qual é a responsabilidade da agricultura familiar na produção de alimentos na economia brasileira ?
MC – Na página 69 há muitos dados a esse respeito.
PHA- Aqui: a mandioca, 92% saem da agricultura familiar. Carne de frango e ovos, 88%. Banana, 85%.. Feijão, 78%. Batata, 77%. Leite, 71%. E café, 70%. É o que diz o senhor na página 69 sobre o papel da agricultura familiar. Agora, o senhor falava de financiamentos públicos. Confederação Nacional da Agricultura, presidida pela senadora Kátia Abreu, que talvez seja candidata a vice-presidente de José Serra, a Confederação Nacional da Agricultura recebe do Governo Federal mais dinheiro do que o MST ?
MC – Muito mais. Essas entidades ruralistas em conjunto, a CNA, a SRB, aquela entidade das grandes cooperativas, em conjunto elas recebem 25 vezes do valor que recebem as entidades parceiras do MST. Esses dados, pelo menos no período 1995 e 2005, fizeram parte do relatório da primeira CPI do MST. O relatório foi preparado pelo deputado João Alfredo, do Ceará.
PHA – O senhor acredita que o MST conseguirá realizar uma reforma agrária efetiva ? A sua introdução mostra que a reforma agrária no Brasil é a mais atrasada de todos os países que fazem ou fizeram reforma agrária. Que o Brasil é o lanterninha da reforma agrária. Eu pergunto: por que o MST não consegue empreender um ritmo mais eficaz ?
MC – Em primeiro lugar, a reforma agrária é feita pelo Estado. O que os movimentos sociais como o MST e os setenta e tantos outros que existem em todo o Brasil fazem é pressionar o Estado para que o Estado cumpra o determinado na Constituição. É a cláusula que favorece a reforma agrária. O MST não é responsável por fazer. É responsável por pressionar o Governo. Acontece que nesse país de tamanha desigualdade, a história da desigualdade está fundamentalmente ligada à questão agrária. Claro que, no século 20, o Brasil, se modernizou, virou muito mais complexo, surgiu todo um setor industrial, um setor financeiro, um comercial. E a (economia) agrária já não é mais aquela, com tanta presença no Brasil. Mas, ainda sim, ficou muito forte pelo fato de o desenvolvimento capitalista moderno no campo, nas últimas décadas, ligar a propriedade agrária ao setor financeiro do país. É o que prova, por exemplo, de um banqueiro (condenado há dez anos por subornar um agente federal – PHA) como o Dantas acabar tendo enormes fazendas no estado do Pará e em outras regiões do Brasil. Houve então uma imbricação muito forte entre a elite agrária e a elite financeira. E agora nessa última década ela se acentuou num terceiro ponto em termos de poder econômico que são os transacionais, o agronegócio. Cargill, a Syngenta… Antes, o que sustentava a elite agrária era uma forte aliança patrimonialista com o Estado. Agora, essa aliança se sustenta em com setor transacional e o setor financeiro.
PHA – Um dos sustos que o MST provoca na sociedade brasileira, sobretudo a partir da imprensa, que eu chamo de PiG, é que o MST pode ser uma organização revolucionária – revolucionária no sentido da Revolução Russa de 1917 ou da Revolução Cubana de 1959. Até empregam aqui no Brasil, como economista Xico Graziano, que hoje é secretário de José Serra, que num artigo que o senhor fala em “terrorismo agrário”. E ali Graziano compara o MST ao Primeiro Comando da Capital. O Primeiro Comando da Capital, o PCC, que, como se sabe ocupou por dois dias a cidade de São Paulo, numa rebelião histórica. Eu pergunto: o MST é uma instituição revolucionária ?
MC – No sentido de fazer uma revolução russa, cubana, isso uma grande fantasia. E uma fantasia às vezes alardeada com maldade, porque eu duvido que uma pessoa como o Xico Graziano, que já andou bastante pelo campo no Brasil, não saiba melhor. Ele sabe melhor. Mas eu acho que (o papel do) MST é (promover) uma redistribuição da propriedade. E não só isso, (distribuição) de recursos públicos, que sempre privilegiou os setores mais ricos e poderosos do país. Há, às vezes, malícia mesmo de certos jornalistas, do Xico Graziano, Zander Navarro, dizendo que o MST está fazendo uma tomada do Palácio da Alvorada. Eles nunca pisaram em um acampamento antes. Então, tem muito intelectual que critica sem saber nada. O importante desse (“Combatendo a desigualdade social”) é que todos os autores têm longos anos de experiência (na questão agrária). A grande maioria tem 20, 30 anos de experiência e todos eles têm vivência em acampamento e assentamentos. Então conhecem a realidade por perto e na pele. O Zander Navarro, por exemplo, se alguma vez acompanhou de perto o MST, foi há mais de 15 anos. Tem que ter acompanhamento porque o MST é de fato um movimento.
PHA – Ou seja, na sua opinião há uma hipertrofia do que seja o MST ? Há um exagero exatamente para criar uma situação política ?
MC – Exatamente. Eu acho que há interesse por detrás desse exagero. O exagero às vezes é inocente por gente que não sabe do assunto. Mas às vezes é malicioso e procura com isso criar um clima de opinião para reprimir, criminalizar o MST ou cortar qualquer verba que possa ir para o setor mais pobre da sociedade brasileira. Há muito preconceito de classe por trás (desse exagero).
(*)Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista
Campanha pelo limite à propriedade da terra organiza plebiscito popular
O Brasil é campeão em concentração de terra nas mãos de poucos(as). Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra, demonstram que algumas propriedades chegam a possuir um milhão de hectares. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 84,4% dos estabelecimentos da agricultura familiar ocupam 24.3% das terras brasileiras, enquanto 15,6% dos grandes latifúndios ocupam 75,7% das terras.
A concentração fundiária é um dos fatores responsáveis pela pobreza e violência no campo, afinal, as grandes propriedades empregam apenas 15,6% dos trabalhadores(as) rurais ocupados(as), enquanto a agricultura familiar é responsável por 74,4% dos empregos. Além disso, a concentração impede que milhões de famílias sem terra tenham acesso a um pedaço de chão para produzir. A opção pelo modelo agrícola de grandes propriedades ainda diz respeito à questão da soberania alimentar, já que elas são destinadas ao agronegócio, que não produz alimentos para a população, mas sim produtos para exportação.
Diante da necessidade de chamar a atenção para essas questões e conquistar o apoio da sociedade civil para que se faça uma discussão aprofundada sobre o modelo agrícola do agronegócio, não sustentável em todos os aspectos, o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo está rearticulando a Campanha pelo Limite à Propriedade da Terra.
Segundo Luiz Cláudio Mandela, que integra o Fórum pela Cáritas, a Campanha começou no ano 2000, e em 2002 ganhou força quando foi apresentada ao Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) propondo a limitação da propriedade. Com o início do governo Lula, em 2003, os movimentos passam a se concentrar na formulação do II Plano Nacional de Reforma Agrária. Mas, em 2006, com as dificuldades do governo em colocar o PNRA em prática, voltam a discutir a campanha.
“Os movimentos começaram a discutir temas como as ameaças do agronegócio ao Código Florestal e também a questão da produção de alimentos e soberania alimentar. Vimos que todos esses pontos estão relacionados à concentração fundiária”, diz Mandela. “Ganhou força a ideia de organizar um plebiscito popular sobre o tema, ou então fazer pressão para que o Congresso convocasse um oficial”, completa.
Este ano, as entidades que organizam a Campanha da Fraternidade Ecumênica propuseram que a Campanha abraçasse o tema do plebiscito popular em 2010. Em diálogo com redes como Grito dos Excluídos e FAOR, foi decidido que o Plebiscito Popular pelo Limite à Propriedade da Terra será realizado entre os dias 1° e 7 de setembro. Ao mesmo tempo haverá uma coleta de assinaturas que pretende mobilizar a sociedade para a discussão do tema e articular uma pressão para que seja convocado um plebiscito oficial. “Nossa estratégia é atuar nas duas frentes. O plebiscito popular é um processo pedagógico. Acreditamos que fazendo também uma coleta de assinaturas, teremos mais força quando uma PEC ou Ação Civil chegar ao Congresso, como aconteceu recentemente com o Ficha Limpa. Queremos que o processo de mobilização popular culmine com a apresentação de um projeto e não o contrário”, afirma.
Mandela coloca que o objetivo é propor a limitação da propriedade rural a 35 Módulos Fiscais (MF). Segundo o Incra, um MF seria a quantidade de terra necessária para a sobrevivência de uma família e varia de região para região, podendo medir de 5 a 75 hectares. Propriedades que tenham mais de 15 Módulos Fiscais já são consideradas grandes. “Limitar a 35 Módulos Fiscais ainda permite que existam grandes propriedades, mas é um passo importante para a desconcentração da terra, já que no Brasil algumas propriedades chegam a ocupar áreas equivalentes ao estado de Sergipe ou à Bélgica”, coloca.
O grande desafio da campanha é tocar em um tema que desperta reações iradas de ruralistas e da elite conservadora em geral: a propriedade privada. “No Brasil não se pode mexer com a propriedade. Logo todas as propostas nesse sentido são colocadas no mesmo patamar”, diz Mandela. Ele acredita que o apoio da Campanha da Fraternidade Ecumênica pode ajudar na sensibilização. O Fórum aposta também na relação entre campo e cidade para despertar o interesse pelo tema. “Queremos fazer a ponte entre a questão da propriedade rural e a questão urbana. Dialogar a fundo com a sociedade”, declara Mandela.
O Fórum Nacional pela Reforma Agrária está retomando a oportuna campanha relacionada com o limite máximo de extensão da terra rural em nosso país. Ainda antes da elaboração da Constituição Federal de 1988, essa luta já era empreendida por movimentos populares, entre os quais se destacou o MST, que vêm no estabelecimento desse limite, uma das formas mais eficazes de se estancar o processo anti-social e predatório que caracteriza a concentração do direito de propriedade privada da terra em nosso país.
Com esse limite pode a reforma agrária obter um apoio preventivo sólido e legal contra a possibilidade de os latifúndios prosseguirem seu histórico desrespeito ao princípio constitucional da função social da terra, bem indispensável à vida de toda a humanidade.
Este breve apontamento pretende oferecer ao nosso Fórum alguns subsídios de argumentação em favor desse limite, visando motivar o debate e as ações próprias da campanha agora retomada, de modo particular no que se relaciona com a oportunidade e a conveniência de ela ser multiplicada entre todas/os aquelas/es brasileiras/os militantes da luta pelo acesso à terra - o mais rápido e democrático possível - de todas/os quantas/os dela necessitam para se alimentar, morar e viver dignamente.
Dois pressupostos convém serem lembrados como inspiradores do nosso estudo. O Fórum pela reforma agrária parte do princípio de que a terra não é mercadoria; respeita-a como fonte natural e indispensável de vida, pretendendo garantir um direito dessa grandeza para todas/os e não somente para alguns. O Fórum também está convencido de que um direito dotado do poder de se expandir ilimitadamente, como é o da propriedade privada, sobre um espaço limitado como é o da terra, gera um efeito perverso, com raras exceções. Ele é capaz de criar um outro poder, esse opressivo sobre a própria vida do planeta e de inumeráveis pessoas não proprietárias e pobres, poder esse derivado do próprio tamanho do espaço que ele ocupa com exclusividade, o que constitui uma visível irracionalidade e uma inaceitável injustiça.
Para melhor compreensão das/os nossas/os leitoras/es, dividimos nossa contribuição à análise desse módulo, em seis segmentos que possibilitem, primeiro, um debate mais particularizado sobre cada um deles; depois, como resultado desse debate, a abertura da possibilidade de cada Movimento popular e entidade integrante do Fórum programar as suas próprias estratégias e táticas de luta pelo estabelecimento do módulo, quando menos, a partir dos fundamentos jurídicos daqueles direitos humanos fundamentais que, sem um tal limite, estão sendo diariamente violados em nosso país.
Para tanto, propõe-se analisar os limites físicos e, sucessivamente, os políticos, os econômicos, os sociais, os jurídico-legais e os éticos do direito de propriedade privada sobre terra, objetivando demonstrar que, sem o módulo máximo, a falta desses limites cria o paradoxo de o gozo e o exercício de um direito privado sobre terra por em risco ou até violar outros direitos.
1. Os limites físicos de propriedade da terra, como exigência necessária do respeito devido aos direitos humanos garantes do meio-ambiente natural e de uma produtividade da terra que preserve a vida do povo.
1.1. Não há dia em que a população do mundo todo não tome conhecimento, apreensiva, das violentas agressões que grandes empresas transnacionais e, ou, proprietários de latifúndios, praticam contra o meio-ambiente natural da terra. Desmatamentos indiscriminados, estabelecimento de monoculturas que destroem a biodivesidade, queimadas, uso de fertilizantes e inseticidas nocivos à natureza e a quantas/os trabalham a terra, desrespeito a biomas, poluição do ar e das águas, entre muitas outras atividades que exploram a terra, estão aumentando o aquecimento global, em todo o planeta e expulsando grande quantidade de famílias de pequenos agricultores do campo.
1.2. As vítimas dessas ilegalidades e injustiças podem não saber, mas elas são titulares de um direito humano fundamental que pode e deve ser protegido e defendido, inclusive perante o Poder Judiciário, até por meio do Ministério Público.
1.3. Veja-se, por exemplo, o que determina o artigo 225 da Constituição Federal:
"Todos têm direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."
1.4. Ora, se a terra, cujo cuidado é a base principal do meio-ambiente natural, é um bem de uso comum do povo, isso significa que não existe um centímetro quadrado de terra sequer, que não seja de direito e de interesse, igualmente, de todo o povo, devendo-se notar que o artigo 225 não diz que seja direito desse mesmo povo defendê-la e conservá-la; diz, sim, que é dever do Poder Público e de toda a coletividade defendê-la e preservá-la.
1.5. Isso significa que, sobre qualquer pedaço do chão brasileiro objeto de propriedade privada, ou não, incide esse outro direito-dever(!) de qualquer do povo denunciar, inclusive perante o Ministério Público e o Poder Judiciário, as agressões que a terra sofrer, mesmo que essas partam do proprietário de qualquer fração dela.
1.6. Como se sabe, qualquer latifundiário brasileiro consegue evitar a desapropriação do seu imóvel, provando que ele é "produtivo", ou seja, reflete graus de utilização da terra (G.U.T.) e de eficiência na sua exploração (G.E.E) julgados adequados por qualquer vistoria do Incra.
1.7. Nesse caso, a Constituição Federal não permite a desapropriação de um tal bem para fins de reforma agrária, por força do art. 185 inciso II. Trata-se de uma disposição de lei que inviabiliza, praticamente, a reforma agrária, tantas são as chances que ela dá de provas e perícias, senão obstativas, pelo menos de tal forma retardatárias, que os efeitos da mesma desapropriação, se ocorrerem, chegarão sempre mais tarde do que seria necessário chegar. É uma disposição legal que foi introduzida na Constituição Federal por um verdadeiro golpe que a bancada ruralista deu no Congresso Nacional, durante a assembléia nacional constituinte de 1988.
1.8. Mesmo assim, é possível a um mínimo de observação crítica, que há uma profunda diferença político-jurídica entre produtivismo e produtividade. Num estudo sintético como o que estamos fazendo aqui, não há chance de se aprofundarem os efeitos jurídicos dessa importante distinção.
1.9. Precisa-se sublinhar, pelo menos, que o produtivismo, típica bandeira capitalista, somente se interessa pelo que a terra produz, por mais anti-social e predatória que essa exploração se dê. Não há nenhum cuidado pelo solo em si, A produtividade é bem diferente disso. O que a terra produz não deve ter o efeito de destruí-la, pois, além de fonte natural de vida para quantas/os pessoas vivem hoje, deve ser protegida para as gerações futuras.
Uma tal diferença é suficiente para provar que nem toda a terra "produtiva" cumpre a sua função social, bastando lembrar-se, por exemplo, que muitos latifúndios brasileiros considerados produtivos, imunes à desapropriação para fins de reforma agrária, além de empregarem um número insignificante de trabalhadores, destinam toda a terra que titulam a culturas que, além de levarem toda a sua produção para o exterior, não servem à principal necessidade do povo, qual seja, a da alimentação. A propósito, nunca será demais recordar que não é o latifúndio exportador que alimenta o nosso povo, mas sim a pequena propriedade rural familiar, como o IBGE vem mostrando, há décadas.
O módulo máximo, então, do ponto de vista simplesmente físico de distribuição da terra rural, além da vantagem de possibilitar a abertura de novos espaços a novas gerações de trabalhadoras/es que explorem a terra, acrescentaria mais a de melhorar em muito o destino da sua produção.
2. Os limites políticos de propriedade da terra, como exigência necessária do respeito devido ao poder-garante dos direitos humanos de quem não tem a propriedade privada da terra.
O território brasileiro é protegido e defendido contra qualquer risco de agressão física externa, através de mais de um dispositivo da Constituição Federal, todos eles demonstrando que, dependendo do espaço, do tempo e do tipo de exploração que se faça sobre a terra, muitos outros direitos existentes sobre ela têm de ser preservados, independentemente de ela se encontrar, ou não, sob domínio privado.
Vários desses dispositivos podem servir de exemplo disso. No artigo 20, § 2º, lê-se:
"A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão regulamentadas em lei. "
No artigo 91 parágrafo primeiro, a Constituição dá poderes ao próprio Conselho de Defesa Nacional para oferecer critérios e condições de a terra ser explorada e seus recursos naturais preservados, em áreas como a de fronteira e indispensáveis a segurança do território nacional.
As jazidas minerais e os potenciais de energia hidráulica, igualmente, de acordo com o art. 176 da mesma Constituição "constituem propriedade distinta da do solo, e pertencem à União"...
A lei 5709 de 1971, por sua vez, previu 50 módulos como a área de extensão máxima permitida à aquisição de imóvel rural por estrangeiro ou pessoa jurídica estrangeira, em mais uma demonstração de que módulos máximos de extensão de terras tituladas por propriedade privada não são estranhos ao nosso ordenamento jurídico.
A lei trata dessa forma de proteger o Estado e a população brasileira de garantias como as supra indicadas, em defesa de sua segurança e de todo o patrimônio nacional assente no seu território.
Tem-se de concluir desde logo, portanto, que o estabelecimento de limites ao tamanho, ao uso e à exploração das áreas rurais, é previsto em muitas disposições legais visando fins transcendentes à terra em si, mas de significativa importância para o Estado e toda a população do país.
Todo o poder político aí representado, todavia, esquece com freqüência que o seu titular é o povo brasileiro todo, como assevera expressamente o parágrafo único do primeiro artigo da Constituição Federal:
"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."
Essa é uma disposição das mais desconsideradas pelos intérpretes da Constituição Federal, sejam eles do Poder Público sejam eles das associações que representam os latifundiários.
Acima, pois, daquela proteção e defesa de segurança do nosso território, existe um outro "território" de cogitação prioritária que, embora inspire e motive tal segurança, raramente alcança ser cogitado, em matéria de uso e exploração da terra.
Esse outro "território" é próprio do poder político-jurídico dos direitos humanos desse mesmo povo soberano, que se expressam pelas garantias devidas à cidadania e à dignidade das pessoas, como fundamentos da própria República Federativa do Brasil, (artigo 1º, incisos II e III da Constituição Federal).
Perde-se de vista o fato de que todos esses rigorosos cuidados que são devidos à integridade física e ambiental do território nacional, estão aí previstos legalmente, como condição pressuposta da segurança e da integridade física, com dignidade e cidadania, de todas/os brasileiras/os. Tanto a terra sem povo como o povo sem a terra, retiram todo o sentido de identificação tanto da terra como do povo. Essa é a razão pela qual somente se reconhece a existência do Estado quando ele tem povo, território e governo.
Sem fundamento qualquer casa cai, por óbvio, e o fato daqueles fundamentos, cidadania e dignidade da pessoa humana, pouco pesarem perante a Administração Pública ou mesmo nas decisões judiciais, quando se deparam com conflitos sobre terra, constitui manifesta infidelidade à lei e à justiça.
É como se a segurança do território fosse mais importante do que a segurança do povo e como se aquela parte desse mesmo povo, pelo simples fato de ser pobre, sem-terra ou sem-teto, jamais pudesse alcançar a condição do cidadão que já conquistou um nível de vida seguro e digno.
Não se considera o fato de que essa multidão, pela simples circunstância de ser pobre, ou até miserável, já está com os seus direitos humanos fundamentais violados, quanto mais não seja os de casa e comida, justamente aqueles que, sem melhor partilha e distribuição da terra, jamais serão respeitados, colocando a própria vida dela em risco...
Se a República Federativa do Brasil, pois, quiser identificar-se como expressão de um legítimo "Estado Democrático de Direito", como consta no primeiro artigo dessa mesma Constituição, tem de exercer todo o seu poder político em função e a serviço dessas mesmas dignidade e cidadania, coisa que somente poderá ser garantida quando os direitos humanos fundamentais sociais de todo o povo, forem reconhecidos como poderes sociais.
O respeito devido a tais direitos impõe a obviedade refletida física, política e juridicamente, como acontece com o território, que eles encontrem, efetivamente, espaço para serem exercidos, coisa que a inexistência atual de um limite máximo de extensão permitida ao direito de propriedade privada sobre terra comprova, historicamente, estar sendo inviabilizada.
Não há exagero em se afirmar, então, que, sem a democratização do acesso à terra, falta fundamento físico-territorial para a existência, a validade e a eficácia da democracia política brasileira.
3. Os limites econômicos de propriedade da terra, como exigência necessária das garantias jurídicas contrárias ao abuso da chamada liberdade de iniciativa dos latifundiários e das grandes empresas rurais.
Uma economia pode estar baseada no princípio solidário de que os bens da terra sejam acessíveis e suficientes para alimentar e dar abrigo a toda a humanidade.
Que a produção da terra é mais do que suficiente para alimentar a humanidade inteira, isso as estatísticas da FAO e da ONU comprovam-no de maneira inquestionável.
Que a fome, não obstante, ainda sacrifique e mate multidões de pobres no mundo inteiro e no Brasil, isso também é coisa mais do que conhecida.
A razão dessa trágica injustiça social reside no fato de que, para a economia capitalista que preside as nossas relações econômicas, em vez do princípio da suficiência para todos, o que vale é o do "sempre o melhor é o mais". Esse "mais" aí não significa quantidade de produção de alimentos acessível a todas/os, mas só para quem pode pagar o preço.
Ainda que o desuso ou o desperdício do "mais" sejam lamentados, eles são explicados e até "justificados" por "circunstâncias de mercado", "conjunturas sazonais", e outras desculpas.
Essa "liberdade de iniciativa", entretanto - aí se encontra outro "esquecimento" conveniente para possibilitar abusos - está prevista no art. 1º, inciso IV da Constituição Federal, logo depois dos "valores sociais do trabalho".
Embora essa liberdade não dependa de outra coisa que não a quantidade de dinheiro que a impulsione, vê-se que se trata de uma liberdade sujeita à responsabilidade, já que os valores sociais do trabalho, colocados junto dela, não podem ser pela mesma prejudicados.
Com aquele motor próprio movido a dinheiro, contudo, o Poder Público e a sociedade civil somente conseguem se socorrer do direito de se proteger e de se defender contra os seus abusos, quando esses já tiverem obtido todos os seus danosos efeitos.
São raras as vezes em que, preventivamente, isso é evitado. Na maior parte dos casos, o máximo que se obtém, quando se obtém, é reparação por um mal que já ocorreu, reparação essa que, não por acaso, aparece nas leis e nos julgamentos sob a denominação de responsabilidade civil.
Em matéria de distribuição, uso e exploração da terra, então, o modelo predominante de interpretação da lei fragiliza de tal forma os mecanismos jurídicos de prevenir os efeitos da liberdade de iniciativa econômica, especialmente quando ela age sem responsabilidade, que a injustiça por ela criada é de uma evidência aritmética.
Capaz de expansão ilimitada, como aqui já se sublinhou, ela pode "legalmente" ocupar o espaço terra, tenha esse a extensão que tiver, obedecendo tão só à quantidade de dinheiro que iguale ao seu preço, por mais que isso reduza o espaço indispensável às outras pessoas, ainda que indiretamente, pelo uso que for imposto ao mesmo espaço.
Por tal modo de interpretar o ordenamento jurídico, não há como a lei, o Estado, o povo em geral intervir aí de forma a protegerem-se, por exemplo, antecipadamente, contra um uso e uma exploração que o dito comprador desse espaço fará, se ele descumprir, como ocorre freqüentemente, a função social que as mesmas lei, Estado e povo devem obedecer...
O art. 2º do Estatuto da Terra um bom exemplo disso:
"É assegurado a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta lei."
Em primeiro lugar, raramente se observa aí que o Estatuto, coerente com o que já dissera o artigo 17 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, antes de pretender garantir o direito "de" propriedade, quer assegurar o direito "a" propriedade, ou seja, o acesso o mais universal e democrático possível a esse mesmo bem.
Por outro lado, todavia, também se deixa de observar que, dependendo do tamanho da área imóvel rural que está sendo adquirida, nem a possibilidade de restar espaço para o acesso à terra de outras pessoas estará assegurada, nem o risco de esse mesmo espaço acabar por descumprir sua função social estará descartado.
Em poucas disposições da lei, portanto, se comprova como a chamada economia de mercado, estendida ao espaço terra, aproveita a interpretação que se faz da "liberdade de iniciativa" para sobrepor-se ao poder do Estado, ao da própria lei (que deveria discipliná-la e controlá-la) e ao do povo que, pelo menos de acordo com o artigo 1º da Constituição Federal, como já se lembrou acima, deveria ser o soberano.
Assim, a liberdade de opção de quem tem poder econômico para adquirir terra acaba por inviabilizar a liberdade de emancipação da população pobre que, embora com direito de acesso à terra, vê-se privada materialmente do mesmo, na medida em que todo o espaço disponível para tanto, já foi titulado por quem tinha dinheiro para adquiri-lo...
Como os demais segmentos desse estudo pretendem demonstrar, nem tudo o que passa por "racional", do ponto de vista de um determinado modelo predominante de interpretação dos fatos e da lei, é "razoável", por mais que isso gere perplexidade a quem desconhece outra forma de acesso aos bens da terra que não seja a da capacidade econômica - liberdade de iniciativa econômica- de adquirí-los por meio de dinheiro.
Uma liberdade "de", como a econômica, não pode ser separada de uma liberdade "para", como um elementar respeito à responsabilidade humana exige. Assim, se a liberdade de opção de compra de terra, por parte de um ou alguns, vai ao ponto de, por seu poder de submeter espaço, inviabilizar a liberdade de emancipação e superação da pobreza da maioria, já não é mais possível interpretar-se qualquer gesto de defesa da última como de violação da primeira, O que existe aí é conflito entre direitos, conflito esse que, como vai-se demonstrar aqui, pode muito bem, legal e justamente, ser decidido em favor da última.
Quanto mais não fosse, o estabelecimento de um módulo máximo que limitasse a extensão admitida à aquisição de imóveis rurais, garantiria ao art. 2º do Estatuto da Terra, por um lado, eficácia igual a de garantir maior possibilidade de acesso ao bem terra para mais pessoas e, por outro, diminuição dos riscos de esse acesso, quando é feito sobre latifúndios rurais, resultar em descumprimento da sua função social, fazendo da liberdade de iniciativa econômica de alguns sinônimo de veto à liberdade social de outras/os, como a história do país tem comprovado.
É o que pretendemos detalhar a seguir, examinando os limites sociais do direito de propriedade privada da terra.
4. Os limites sociais de propriedade da terra, como exigência necessária das garantias devidas aos direitos humanos fundamentais de não proprietários, historicamente violados pelos latifúndios que descumprem a sua função social.
Quem convive com o povo pobre e trabalhador do nosso país, especialmente o sem-terra e o sem-teto, constata de modo inquestionável que três necessidades básicas, entre outras inerentes a qualquer pessoa, afligem-no diariamente, porque não são adequada e suficientemente satisfeitas, colocando a sua propria vida permanentemente em risco.
A primeira é a do ter. Ter aquelas coisas indispensáveis à uma vida digna, como casa e comida, por exemplo, para lembrar de novo as mais ligadas à terra. A segunda é a do poder. Do poder livremente dispor dos direitos humanos fundamentais de optar entre mais de uma alternativa de vida, de se organizar e opinar, de não ver o seu emprego permanentemente em risco, de participar da vida pública não somente com o voto. A terceira é a do ser. Justamente pela fragilidade do seu ter e do seu poder, essa fração do povo brasileiro em grande parte nem se sente gente, perde a confiança em si, nas/os outras/os, no Estado, na lei e nas instituições.
Ora, a Constituição Federal prevê, justamente para garantir o ter, uma ordem econômica e financeira (artigos 170 a 192); para garantir o poder, uma ordem política, essa em grande parte reconhecida a qualquer do povo em pleno título reservado aos direitos e garantias fundamentais (artigos 14 a 16) e aos partidos políticos (artigo 17); para proteção e defesa do ser das pessoas, uma ordem social que, além de outro título inteiro daquele ordenamento (o VIII, artigos 193 a 232), reserva um capítulo do Título II (relacionado com os direitos e garantias fundamentais), para tratar dos direitos sociais (artigos 6 a 11).
Nenhuma dessas ordens, nenhum poder derivado dessa solene e detalhada previsão legal, tem tido a capacidade de garantir a satisfação, justamente, daquelas três necessidades vitais da população trabalhadora e pobre do nosso país.
Assim sendo, tem-se de reconhecer que o Brasil convive, e mal, com milhões de pessoas que ainda não se "constituíram" no sentido pleno da cidadania e da dignidade humana. Ou seja, a Constituição, aqui não teve ainda o poder de traduzir sequer o seu sentido gramatical, o de constituir, o de criar, para essa multidão de povo, as condições indispensáveis de seu acesso ao gozo e exercício desses direitos humanos fundamentais, especialmente os sociais, como a saúde (aí incluída, claro, a alimentação) a educação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, entre outros.
Isso não significa, como em seguida veremos no estudo dos limites jurídico-legais da terra, que o povo que sofre dessas necessidades vitais não satisfeitas, tenha de ficar com os braços cruzados, interpretando tudo como uma fatalidade invencível.
Como se insiste nesse apontamento, essa "fatalidade" tem sido perpetuada muito mais pela cultura privatista e patrimonialista que preside atualmente a interpretação dos fatos e das leis, do que por falta de previsão legal protetiva e defensiva dos direitos humanos fundamentais da população sem terra e sem-teto.
Serve desse modelo de interpretação o modo como a Administração Pública e o próprio Judiciário aplicam o artigo 186 da Constituição Federal, exatamente aquele que obriga o direito de propriedade privada sobre terra cumprir sua função social.
Naquele artigo, a Constituição Federal previu que a função social da propriedade privada da terra é cumprida quando esse bem é simultaneamente aproveitado racional e adequadamente, com utilização dos seus recursos naturais disponíveis e preservação do meio-ambiente, com observância das disposições que regulam as relações de trabalho e de forma que a exploração da terra favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Por pouca atenção que se dê a essa importante norma jurídica, é impossível deixar-se de concluir que ela, para ser bem aplicada, precisa que o seu intérprete conheça direta ou indiretamente, através de perícia criteriosa, no mínimo, o uso(!) que está sendo dado a esta terra, sob pena de julgar-se qualquer conflito estabelecido sobre ela, desconsiderando-se a obrigação que o seu titular tem de cumprir a função social desse mesmo bem.
Embora isso parece mais do que óbvio, a verdade é a de que, na grande maioria dos despachos administrativos ou das sentenças publicadas sobre tais conflitos, tudo é julgado somente à vista do registro que a mesma terra, seja por escritura de compra e venda ou por outro título, obteve no Ofício de Imóveis.
Encerram-se aí, sem maiores discussões, os processos que tramitam, relacionados com um bem de tal relevância para a sociedade toda, como se a sua função social pudesse ser equiparada à sua função individual.
Ora, a função de uma coisa apropriada por determinada pessoa só pode ser considerada como social se, além do interesse de seu proprietário sobre ela, ela satisfaça interesses alheios, como cada um dos incisos do art. 186 demonstra de maneira clara.
É o concreto modo pelo qual, portanto, aqueles fins transcendentes à própria terra estão sendo respeitados que a sua função social pode ser julgada cumprida ou descumprida.
Quando acima se lembrou o artigo 2º do Estatuto da Terra, aqueles fins do artigo 186, o interesse alheio ao do proprietário da terra lá previsto podem estar sendo desrespeitados, exatamente, porque o interesse individual do titular da propriedade rural reduz o gozo e o exercício do seu direito, como uma relação-pertença totalmente desligada da relação-destino que a terra, por sua própria natureza, impõe seja obedecida.
O estabelecimento legal de um limite máximo de extensão do direito de propriedade privada sobre terra, como é lícito concluir-se aqui, daria chance ao Poder Público e à própria sociedade civil de medirem com muito mais agilidade e eficiência se ela cumpre, ou não, com sua função social. A relevância dessa conclusão merece tratamento a parte que será feito, a seguir, inclusivo no que ela se relaciona com as áreas indígenas e de quilombolas.
5. Alguns limites jurídico-legais do direito de propriedade privada da terra, como exigência necessária de complementação das garantias devidas aos limites físicos, políticos, econômicos e sociais acima estudados.
De tudo quanto se estudou até aqui, já é possível antecipar-se, salvo melhor juízo, que existem muitos limites legalmente previstos ao direito de propriedade privada da terra, seja em virtude da própria soberania do povo, sua cidadania e dignidade, aí considerada aquela multidão que nem é proprietária de terra, seja por imposição de segurança que preserva o território do país, seja por força da responsabilidade devida pela liberdade de iniciativa econômica, seja pelo respeito que aquele direito deve à sua função social.
Todas essas referências justificativas da imposição de limites à extensão do direito de propriedade da terra, como se observou, têm mostrado fragilidade visível em se refletirem materialmente na realidade de sua distribuição, uso e exploração, pretendendo-se se acentuar, agora, a crítica que deve ser feita ao modelo interpretativo dos fatos e das leis, em grande parte responsável, senão na maior, por esse estado de coisas.
No que concerne aos direitos humanos fundamentais mais dependentes da terra, como acontece com a alimentação e a moradia aqui tão salientadas, há possibilidade de se demonstrar esse fato.
A cada aplicação de leis infra constitucionais, por exemplo, basta que as suas disposições sejam comparadas com a Constituição Federal, para se concluir, legalmente, que os conflitos sobre terra nos quais se verifiquem opostos direitos patrimoniais ligados a latifúndios, de um lado, e direitos humanos fundamentais de pessoas sem-terra, de outro, nem sempre a lei, o direito e a justiça dão vitória aos primeiros.
Julgando recurso judicial de centenas de agricultores sem-terra ameaçados pela execução iminente de uma ordem liminar de reintegração de posse dada em favor de uma empresa latifundiária, referente a um latifúndio rural situado no município de Bossoroca, no Rio Grande do Sul, (acórdão de 06 de outubro de 1998, em agravo de instrumento nº 598360402) a 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça daquele Estado decidiu que, no caso, não se verificava esbulho possessório praticado por aqueles agricultores, mas sim conflito entre direitos patrimoniais e direitos humanos fundamentais, concluindo por manter os últimos sobre a terra, sob a seguinte e resumida argumentação:
"Os doutrinadores afirma que, havendo necessidade de sacrificar o direito de uma das partes, sacrifica-se o patrimonial, garantindo os direitos fundamentais, se a outra opção for esta. Não bastasse a doutrina apontar essa solução, o bom senso impõe tal direcionamento."
Nada mais coerente com a lei, se se levar em conta tudo quanto já se demonstrou acima sobre o respeito devido à dignidade humana e à cidadania, como fundamentos da própria República Federativa do Brasil, e nada mais coerente com os direitos humanos dessas pessoas que repetem, em todo o país, inúmeros acampamentos comprobatórios, por um lado, do injustificável atraso com que se faz a reforma agrária e, por outro, do ilícito descumprimento da função social da propriedade por parte de muitos latifúndios.
Aliás, para bem serem compreendidos e respeitados os direitos humanos fundamentais, não é preciso ir-se muito além do estudo da própria palavra "humano", para se formar convicção de que, primeiro, as próprias existência ou inexistência do direito de propriedade privada sobre a terra desses latifúndios, podem ser investigadas; segundo, a ocupação de terra, dependendo das circunstâncias de tempo, lugar e pessoas envolvidas, tem o apoio da própria lei(!); terceiro, a fixação de um limite máximo de extensão da propriedade privada sobre terra alcançaria certamente o efeito, senão de eliminar esses sempre traumáticos conflitos, geradores de muitas mortes no campo, como demonstra a CPT todos os anos, pelo menos o de diminuí-los significativamente.
É possível demonstrar essas três conjeturas aqui propostas ao debate das/os nossas/os leitoras/os.
A palavra humano vem do latim húmus (terra) e manus (mão). Assim, a própria palavra demonstra que a corporeidade humana, representada pela mão das pessoas, pela sua integridade física, pela parte do corpo que age, que atua, que trabalha, não pode ser separada da terra (húmus), que nos sustenta materialmente, pois, a vida.
Falar em direitos humanos, portanto, é falar das garantias dos meios de vida, casa e comida, por exemplo, para gozo dos quais a terra é indispensável e a mão que a trabalha também.
Disso resulta o fato de que, antes de qualquer lei promulgada pelo Estado, a natureza mesma já se encarregou de demonstrar que existe uma força normativa nas necessidades vitais das pessoas que precisa ser respeitada, sob pena de a vida delas ficar permanentemente ameaçada ou violada, como acontece agora no nosso país com os sem-terra e os sem-teto.
Isso demonstra em que extensão o direito de propriedade privada sobre latifúndio, para ter algum efeito em Juízo, carece de prova prévia de que existe, coisa que depende, legalmente, de tal direito estar cumprindo com sua função social.
Sobre a existência desse direito já se denunciou acima que, tanto o Poder Público, aí incluído Judiciário, se contentam em conferir se o título aquisitivo do direito de propriedade sobre latifúndio foi levado ao Cartório do Registro de lmóveis e se, lá, foi devidamente transcrito.
Será que isso é suficiente? Uma leitura mais cuidadosa, pelo menos dos artigos 186 da Constituição Federal e 12 Do Estatuto da Terra, demonstram que isso não é suficiente. Pelo que já se lembrou acima, quando os efeitos jurídicos do art. 186 da Constituição Federal foram analisados dentro do que está se propondo estudar como limites sociais da terra, o registro do latifúndio em nome de alguém pode provar, no máximo, que esse alguém adquiriu o direito de propriedade privada sobre terra, mas isso é bem pouco para provar, igualmente, que esse mesmo direito ainda se conserva!
Para o efeito de provar que ele ainda se conserva, o artigo 186 exige que se verifique com cuidado que a terra merece, o uso que se está fazendo dela(!), sua exploração e o destino da sua produção, sem o que nem há como se concluir se o "bem-estar dos proprietários e dos trablhadores", como naquela disposição está previsto, está sendo preservado.
O artigo 12 do Estatuto da Terra, por sua vez, confirma:
" À propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma função social e sua uso é condicionado ao bem-estar coletivo previsto na Constituição e caracterizado nesta lei."
Se a função social desse direito,portanto, é intrínseca à sua existência, e se tal função deve ser medida pelo "bem-estar coletivo" sem isso esse direito pode até considerar-se adquirido, mas não existe mais (!) e, portanto, nem pode ser oposto à uma ocupação de terra como aquela que ocorreu no município de Bossoroca/RS, lembrada acima.
A tese contrária à um tal pensamento, baseada naquele modelo patrimonialista e privatista que se faz dos fatos e da lei, predominante nas decisões da Administração Pública e dos Tribunais, muito aplaudida pelos latifundiários, segundo a qual o descumprimento das obrigações inerentes à função social da propriedade não pode ter o efeito de julgar-se inexistente esse direito, está obtendo o seguinte efeito perverso e injusto: Quando a União desapropriar um latifúndio rural, pelo fato de ele descumprir a sua função social, mesmo assim deve indenizar o seu (ainda?) proprietário, com as chamadas TDAS (Títulos da dívida agrária). Esse, quem sabe, seja o único caso em que a interpretação da lei obriga toda a sociedade a pagar alguém pelo fato de esse alguém praticar um ato ilícito, danoso contra ela. O proprietário do latifúndio usa nocivamente o seu bem e ainda é premiado por isso!
Indenização, como se sabe, vem de in-dene, ou seja, deixar alguém sem dano. No caso dessas desapropriações, alguém que pratica o dano, pela prática continuada de um ato ilícito contra toda a sociedade, é que é indenizado...
Por falar em ato ilícito, é de tal forma injusto esse modelo patrimonialista e privatista interpretativo da lei que, quando ele tem de enfrentar ações possessórias de latifundiários contra gestos de desespero de multidões pobres sem-terra e sem-teto que ocupem grandes extensões de terra das quais eles são donos, aí ele muda de lado e deixa de observar, por exemplo, que tais gestos estão com a sua ilicitude aparente previamente descartada pela própria lei!
Confira-se como isso acontece. Em favor dos latifundiários, esse modelo interpretativo costuma lembrar a possibilidade legal que eles têm de reagiram contra as ocupações de suas terras, até usando a própria força, com base no artigo 1210 parágrafo único do Código Civil:
"O possuidor turbado ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse."
É o caso de se questionar: Será que a lei não dispõe de alguma outra norma que, com a mesma prontidão, agilidade, presteza e eficiência, preveja este "desforço" em defesa da dignidade humana sob risco ou violada, como a pobreza visível em todas essas ocupações de terra revela?
O tal modelo patrimonialista e privatista de interpretação da realidade e da lei ignora essa pergunta, mas ela tem, sim, resposta no mesmo Código onde ele busca defesa para os latifundiários, e resposta que pré-exclui a ilicitude aparente dessas ocupações de terra.
Prevê o artigo 188 do Código Civil:
"Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável à remoção do perigo.
É pouco provável que exista perigo mais iminente do que a fome e a falta de teto de milhões de brasileiras/os trabalhadoras/es pobres.
Aliás, as dramáticas estatísticas do país sobre o número de pessoas famintas e sem moradia, aqui, mostram que esse perigo não é mais iminente; ele é atual (!).
Quem generaliza como ilícitas, violadoras da lei, portanto, todas as ocupações de latifúndios rurais, independentemente do exame criterioso da área imóvel ocupada (se cumpre ou não sua função social, por exemplo), das pessoas que estão envolvidas no conflito (condições humanas daquelas/es que são colocadas como rés, por exemplo), viola a lei da mesma forma como viola quando absolve os latifundiários que descumprem com a função social inerente ao seu direito.
O curioso, em todo o modelo interpretativo dos fatos e da lei que aqui se critica é que, fora do direito de propriedade privada sobre terra, ele praticamente desconhece outras formas de acesso à ela que a maioria da população pobre interiorana do nosso país consagra.
A simples posse da terra, mesmo aquela que ainda não está devidamente documentada, como acontece com muitos pequenos agricultores brasileiros, por isso mesmo chamados de simples posseiros, a posse das comunidades indígenas e a posse dos descendentes de quilombos podem ser opostas, inclusive em juízo, contra ações de latifundiários ou grandes empresas que queiram desalojar as populações aí presentes.
Essa defesa pode ser feita, no que concerne aos posseiros, entre outros, pelos artigos 1196 e seguintes do Código Civil, em vários dos quais a posse é protegida como simples poder de fato; o Estatuto da Terra, por sua vez, em várias das suas disposições, de modo particular naquelas em que ele disciplina a ocupação das terras públicas federais e das devolutas, reconhece direito dos seus ocupantes à posse das mesmas (artigos 97 a 102); no que concerne às áreas indígenas, a Constituição Federal dispôs sua proteção e defesa num capítulo inteiro (artigos 231 e 232) e, no referente aos remanescentes de quilombos, o artigo 68 do Ato das Disposições constitucionais transitórias deixou claro que, em relação às suas terras, é-lhes "reconhecida a propriedade definitiva."
Como se observa, não é por falta de legislação sobre direitos humanos de não proprietários de terra, que esses não possam ser protegidos, preventivamente, e defendidos, ativamente, quando ameaçados ou violados. Isso ainda não ocorre como deveria, entre outras causas e de acordo com o que nesse estudo tanto se insiste, pela má interpretação dessa mesma legislação, ainda muito presa ao poder econômico-político latifundiário.
Em típica reação contra isso, a Deputada Lucy Schoinaki apresentou ao Congresso Nacional um projeto de lei modificando, exatamente, o artigo 186 da Constituição Federal, aqui tão lembrado:
"O art. 186 da C.F. fica acrescido de mais um inciso:
V - área total do imóvel correspondente a, no máximo, trinta e cinco módulos fiscais, no conjunto das áreas, em todo o território nacional, sob o domínio, a qualquer título, de uma mesma pessoa física ou jurídica.
Parágrafo único. O requisito fixado no inciso V será auto aplicável, sendo que a incorporação ao patrimônio público de imóvel rural com área acima do limite estabelecido neste inciso será livre de indenização, ao titular, do respectivo valor da terra nua correspondente à parcela de área excedente aos trinta e cinco módulos fiscais.
6. Os limites éticos do direito de propriedade privada da terra, como exigência necessária das garantias devidas aos princípios constitucionais que vinculam a Administração Pública e a sociedade civil à justiça social e à solidariedade humana.
Uma verdade repetida pelo povo simples, que nem conhecimento maior tem do Estado e das leis, é a de que nem tudo que é legal é justo e nem tudo que é legal é também moralmente correto.
Nos chamados princípios constitucionais, o ordenamento jurídico brasileiro tentou, de alguma forma, prevenir-se contra os amargos efeitos daquela verdade, colocando em algumas disposições da Constituição Federal alguns valores éticos que possam nortear a boa e justa aplicação da lei.
Os valores próprios da dignidade humana e da cidadania já foram, embora muito resumidamente, apontados acima como parte dos próprios fundamentos da República e de referência obrigatória sempre que estiverem em causa direitos humanos.
Antes de tais valores poderem ser reconhecidos como legais, em verdade eles são intrinsecamente morais, ligados a cada um/a como parte integrante de sua própria personalidade, tanto que, no caso de serem colocados em conflito com outros direitos, terem o respeito a eles devido, como prioritário.
No que se relaciona com a própria Administração pública, o artigo 37 da Constituição Federal, entre outros princípios, submeteu-a ao da "moralidade".
Muitas ambigüidades de conceituação do que isso significa e muitas ambivalências verificadas nos efeitos de sua aplicação, têm contribuído para a pouca atenção que um princípio de tal relevância merece.
Assim, imoralidades presentes no comportamento de agentes políticos e funcionários públicos, como o do egoismo, da ganância, da mentira, da simulação, tem levado muitos deles, em nosso país, à corrupção, ao desvio de dinheiros públicos, ao favorecimento injustificável de umas pessoas em prejuízo de outras.
As CPIs montadas para apuração dessas mazelas, sintomaticamente, acentuam o seu poder investigativo, preferentemente, sobre as ações ilícitas praticadas pelos corruptos, muitas vezes deixando "esquecidos" e impunes, os seus corruptores. Aí se revela uma das mais solertes formas de o poder da propriedade privada, especialmente de latifundiários, garantir que os efeitos de qualquer imoralidade que pratiquem, fiquem escondidos e impunes.
Aquilo que acima já se falou sobre a liberdade de iniciativa econômica pode passar completamente despercebido, sem possibilidade de se apurar responsabilidade de quem quer que seja. Existe até um certo ar de deboche, por parte de alguns economistas, relacionado com os esforços que o povo trava contra as injustiças sociais que sofre. Perguntam eles: que tipo de investigação pode responsabilizar pessoas responsáveis por abstrações do tipo "livre mercado", ou "sistema capitalista"?
Os piores efeitos que esse mal está causando são os de, por um lado, estimular a prática nefasta dos corruptores, gente geralmente muito "bem posta" economicamente, com trânsito facilitado na Administração, e muito bem "conceituada" politicamente; por outro lado, levar o povo todo ao crescente descrédito nos ditos agentes e funcionários, no Estado como um todo, nas instituições, nas leis e, não raro, nas suas próprias organizações, do tipo sindicatos, partidos, movimentos.
Numa campanha como essa que o Fórum Nacional da Reforma Agrária agora iniciada, parece desnecessário sublinhar-se o fato de que os poderes políticos e econômicos dos latifundiários que serão prejudicados com o estabelecimento do módulo máximo, vai usar de todos os meios, os lícitos e os ilícitos, para barrar toda e qualquer tentativa de implantação legal desse limite. O fato de conseguirem fazer isso de modo anônimo, como conseguirão em muitos casos, não pode significar que a luta contrária se julgue antecipadamente derrotada. A injustiça social, tenha a origem que tiver, seja patrocinada por gente conhecida ou não, o que ela exige de todas as suas vítimas, é que se lute contra ela, como o Fórum pretende fazer. .
Isso já aconteceu em plena assembléia nacional constituinte quando esses poderes "anônimos" introduziram, à força, o inciso II no artigo 185 da Constituição Federal para ali figurar a palavra "produtiva", sabidamente um dos maiores empecilhos à execução da reforma agrária. A moral passou muito longe dos patrocinadores desse verdadeiro assalto que foi praticado contra a reforma agrária e os sem-terra do Brasil inteiro.
O Fórum certamente sabe que vai enfrentar, de novo, forças poderosíssimas dentro do Congresso Nacional (bancada ruralista, especialmente) e fora dele (federações e confederação de agricultura, além daquela grande parte da mídia subordinada aos interesses dos latifundiários).
Esse apontamento não tem nenhuma receita, nem se reconhece com experiência ou competência para opinar sobre as atividades políticas que, em defesa do módulo máximo, vão empreender cada uma das pessoas jurídicas, dos movimentos populares, das ONGs, de todas as entidades, enfim, que compõem o Fórum e vão se posicionar contrariamente àquelas forças.
Parece certo, todavia, que uma crítica moral de comportamento alheio, como aquela que o Fórum faz, censurando latifúndios, latifundiários e políticos corruptos, precisa de autoridade ética própria inatacável, sob pena de comprometer o êxito de toda a campanha, como já ocorreu no passado, envolvendo muita gente de partidos políticos considerados de esquerda e ilibados.
Uma afirmação desse tipo, antes de pretender colocar-se acima da possibilidade de qualquer erro, o que deseja mesmo é juntar a sua voz à voz de quantas/os participam do Fórum, no sentido de que não faltarão armadilhas de toda a ordem, tentativas de apanhar as/os militantes pela palavra, pela ação, pela insinuação e por todo o tipo de manobra, visando desmoralizar a campanha tão oportunamente agora iniciada.
Uma verdadeira apólice de seguro moral, ensinada por muitos mártires que morreram em defesa da dignidade humana de gente como essa multidão que o Fórum quer defender através do módulo máximo, é a da pureza de intenção que caracterizou sempre esse tipo de luta, de que dão exemplo, entre muitíssimas/os outras/os, Margarida Alves, Roseli Nunes, Eugenio Lira, Padre Josimo, Dorothy Stang.
Gente que não exerceu o poder pelo poder, nem para conservá-lo para si, muito menos para exercer dominação sobre outras/os, mas sim para servir a/o trabalhador/a, a/o próxima/o, a/o necessitada/o, a/o injustiçado, a/o pobre.
Com a certeza de que o Fórum quer ser digno da memória dessas/militantes, em defesa dos direitos humanos fundamentais do povo, fica aqui o convite final de que esse apontamento seja discutido, modificado ou contestado de acordo com o que o mesmo Fórum decidir.
O signatário fica à disposição do Fórum, igualmente, para o trabalho de redação do projeto de lei que, se o mesmo entender conveniente, encaminhar as suas propostas sobre o módulo máximo.
por Jacques Távora Alfonsin
Mais informações sobre a Campanha pelo Limite da Propriedade da Terra podem ser encontradas em sua página na Internet: www.limitedaterra.org.br
A concentração fundiária é um dos fatores responsáveis pela pobreza e violência no campo, afinal, as grandes propriedades empregam apenas 15,6% dos trabalhadores(as) rurais ocupados(as), enquanto a agricultura familiar é responsável por 74,4% dos empregos. Além disso, a concentração impede que milhões de famílias sem terra tenham acesso a um pedaço de chão para produzir. A opção pelo modelo agrícola de grandes propriedades ainda diz respeito à questão da soberania alimentar, já que elas são destinadas ao agronegócio, que não produz alimentos para a população, mas sim produtos para exportação.
Diante da necessidade de chamar a atenção para essas questões e conquistar o apoio da sociedade civil para que se faça uma discussão aprofundada sobre o modelo agrícola do agronegócio, não sustentável em todos os aspectos, o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo está rearticulando a Campanha pelo Limite à Propriedade da Terra.
Segundo Luiz Cláudio Mandela, que integra o Fórum pela Cáritas, a Campanha começou no ano 2000, e em 2002 ganhou força quando foi apresentada ao Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) propondo a limitação da propriedade. Com o início do governo Lula, em 2003, os movimentos passam a se concentrar na formulação do II Plano Nacional de Reforma Agrária. Mas, em 2006, com as dificuldades do governo em colocar o PNRA em prática, voltam a discutir a campanha.
“Os movimentos começaram a discutir temas como as ameaças do agronegócio ao Código Florestal e também a questão da produção de alimentos e soberania alimentar. Vimos que todos esses pontos estão relacionados à concentração fundiária”, diz Mandela. “Ganhou força a ideia de organizar um plebiscito popular sobre o tema, ou então fazer pressão para que o Congresso convocasse um oficial”, completa.
Este ano, as entidades que organizam a Campanha da Fraternidade Ecumênica propuseram que a Campanha abraçasse o tema do plebiscito popular em 2010. Em diálogo com redes como Grito dos Excluídos e FAOR, foi decidido que o Plebiscito Popular pelo Limite à Propriedade da Terra será realizado entre os dias 1° e 7 de setembro. Ao mesmo tempo haverá uma coleta de assinaturas que pretende mobilizar a sociedade para a discussão do tema e articular uma pressão para que seja convocado um plebiscito oficial. “Nossa estratégia é atuar nas duas frentes. O plebiscito popular é um processo pedagógico. Acreditamos que fazendo também uma coleta de assinaturas, teremos mais força quando uma PEC ou Ação Civil chegar ao Congresso, como aconteceu recentemente com o Ficha Limpa. Queremos que o processo de mobilização popular culmine com a apresentação de um projeto e não o contrário”, afirma.
Mandela coloca que o objetivo é propor a limitação da propriedade rural a 35 Módulos Fiscais (MF). Segundo o Incra, um MF seria a quantidade de terra necessária para a sobrevivência de uma família e varia de região para região, podendo medir de 5 a 75 hectares. Propriedades que tenham mais de 15 Módulos Fiscais já são consideradas grandes. “Limitar a 35 Módulos Fiscais ainda permite que existam grandes propriedades, mas é um passo importante para a desconcentração da terra, já que no Brasil algumas propriedades chegam a ocupar áreas equivalentes ao estado de Sergipe ou à Bélgica”, coloca.
O grande desafio da campanha é tocar em um tema que desperta reações iradas de ruralistas e da elite conservadora em geral: a propriedade privada. “No Brasil não se pode mexer com a propriedade. Logo todas as propostas nesse sentido são colocadas no mesmo patamar”, diz Mandela. Ele acredita que o apoio da Campanha da Fraternidade Ecumênica pode ajudar na sensibilização. O Fórum aposta também na relação entre campo e cidade para despertar o interesse pelo tema. “Queremos fazer a ponte entre a questão da propriedade rural e a questão urbana. Dialogar a fundo com a sociedade”, declara Mandela.
O módulo máximo de extensão do direito de propriedade privada da terra rural no contexto dos direitos humanos fundamentais ameaçados ou violados pela ausência legal desse limite
O Fórum Nacional pela Reforma Agrária está retomando a oportuna campanha relacionada com o limite máximo de extensão da terra rural em nosso país. Ainda antes da elaboração da Constituição Federal de 1988, essa luta já era empreendida por movimentos populares, entre os quais se destacou o MST, que vêm no estabelecimento desse limite, uma das formas mais eficazes de se estancar o processo anti-social e predatório que caracteriza a concentração do direito de propriedade privada da terra em nosso país.
Com esse limite pode a reforma agrária obter um apoio preventivo sólido e legal contra a possibilidade de os latifúndios prosseguirem seu histórico desrespeito ao princípio constitucional da função social da terra, bem indispensável à vida de toda a humanidade.
Este breve apontamento pretende oferecer ao nosso Fórum alguns subsídios de argumentação em favor desse limite, visando motivar o debate e as ações próprias da campanha agora retomada, de modo particular no que se relaciona com a oportunidade e a conveniência de ela ser multiplicada entre todas/os aquelas/es brasileiras/os militantes da luta pelo acesso à terra - o mais rápido e democrático possível - de todas/os quantas/os dela necessitam para se alimentar, morar e viver dignamente.
Dois pressupostos convém serem lembrados como inspiradores do nosso estudo. O Fórum pela reforma agrária parte do princípio de que a terra não é mercadoria; respeita-a como fonte natural e indispensável de vida, pretendendo garantir um direito dessa grandeza para todas/os e não somente para alguns. O Fórum também está convencido de que um direito dotado do poder de se expandir ilimitadamente, como é o da propriedade privada, sobre um espaço limitado como é o da terra, gera um efeito perverso, com raras exceções. Ele é capaz de criar um outro poder, esse opressivo sobre a própria vida do planeta e de inumeráveis pessoas não proprietárias e pobres, poder esse derivado do próprio tamanho do espaço que ele ocupa com exclusividade, o que constitui uma visível irracionalidade e uma inaceitável injustiça.
Para melhor compreensão das/os nossas/os leitoras/es, dividimos nossa contribuição à análise desse módulo, em seis segmentos que possibilitem, primeiro, um debate mais particularizado sobre cada um deles; depois, como resultado desse debate, a abertura da possibilidade de cada Movimento popular e entidade integrante do Fórum programar as suas próprias estratégias e táticas de luta pelo estabelecimento do módulo, quando menos, a partir dos fundamentos jurídicos daqueles direitos humanos fundamentais que, sem um tal limite, estão sendo diariamente violados em nosso país.
Para tanto, propõe-se analisar os limites físicos e, sucessivamente, os políticos, os econômicos, os sociais, os jurídico-legais e os éticos do direito de propriedade privada sobre terra, objetivando demonstrar que, sem o módulo máximo, a falta desses limites cria o paradoxo de o gozo e o exercício de um direito privado sobre terra por em risco ou até violar outros direitos.
1. Os limites físicos de propriedade da terra, como exigência necessária do respeito devido aos direitos humanos garantes do meio-ambiente natural e de uma produtividade da terra que preserve a vida do povo.
1.1. Não há dia em que a população do mundo todo não tome conhecimento, apreensiva, das violentas agressões que grandes empresas transnacionais e, ou, proprietários de latifúndios, praticam contra o meio-ambiente natural da terra. Desmatamentos indiscriminados, estabelecimento de monoculturas que destroem a biodivesidade, queimadas, uso de fertilizantes e inseticidas nocivos à natureza e a quantas/os trabalham a terra, desrespeito a biomas, poluição do ar e das águas, entre muitas outras atividades que exploram a terra, estão aumentando o aquecimento global, em todo o planeta e expulsando grande quantidade de famílias de pequenos agricultores do campo.
1.2. As vítimas dessas ilegalidades e injustiças podem não saber, mas elas são titulares de um direito humano fundamental que pode e deve ser protegido e defendido, inclusive perante o Poder Judiciário, até por meio do Ministério Público.
1.3. Veja-se, por exemplo, o que determina o artigo 225 da Constituição Federal:
"Todos têm direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."
1.4. Ora, se a terra, cujo cuidado é a base principal do meio-ambiente natural, é um bem de uso comum do povo, isso significa que não existe um centímetro quadrado de terra sequer, que não seja de direito e de interesse, igualmente, de todo o povo, devendo-se notar que o artigo 225 não diz que seja direito desse mesmo povo defendê-la e conservá-la; diz, sim, que é dever do Poder Público e de toda a coletividade defendê-la e preservá-la.
1.5. Isso significa que, sobre qualquer pedaço do chão brasileiro objeto de propriedade privada, ou não, incide esse outro direito-dever(!) de qualquer do povo denunciar, inclusive perante o Ministério Público e o Poder Judiciário, as agressões que a terra sofrer, mesmo que essas partam do proprietário de qualquer fração dela.
1.6. Como se sabe, qualquer latifundiário brasileiro consegue evitar a desapropriação do seu imóvel, provando que ele é "produtivo", ou seja, reflete graus de utilização da terra (G.U.T.) e de eficiência na sua exploração (G.E.E) julgados adequados por qualquer vistoria do Incra.
1.7. Nesse caso, a Constituição Federal não permite a desapropriação de um tal bem para fins de reforma agrária, por força do art. 185 inciso II. Trata-se de uma disposição de lei que inviabiliza, praticamente, a reforma agrária, tantas são as chances que ela dá de provas e perícias, senão obstativas, pelo menos de tal forma retardatárias, que os efeitos da mesma desapropriação, se ocorrerem, chegarão sempre mais tarde do que seria necessário chegar. É uma disposição legal que foi introduzida na Constituição Federal por um verdadeiro golpe que a bancada ruralista deu no Congresso Nacional, durante a assembléia nacional constituinte de 1988.
1.8. Mesmo assim, é possível a um mínimo de observação crítica, que há uma profunda diferença político-jurídica entre produtivismo e produtividade. Num estudo sintético como o que estamos fazendo aqui, não há chance de se aprofundarem os efeitos jurídicos dessa importante distinção.
1.9. Precisa-se sublinhar, pelo menos, que o produtivismo, típica bandeira capitalista, somente se interessa pelo que a terra produz, por mais anti-social e predatória que essa exploração se dê. Não há nenhum cuidado pelo solo em si, A produtividade é bem diferente disso. O que a terra produz não deve ter o efeito de destruí-la, pois, além de fonte natural de vida para quantas/os pessoas vivem hoje, deve ser protegida para as gerações futuras.
Uma tal diferença é suficiente para provar que nem toda a terra "produtiva" cumpre a sua função social, bastando lembrar-se, por exemplo, que muitos latifúndios brasileiros considerados produtivos, imunes à desapropriação para fins de reforma agrária, além de empregarem um número insignificante de trabalhadores, destinam toda a terra que titulam a culturas que, além de levarem toda a sua produção para o exterior, não servem à principal necessidade do povo, qual seja, a da alimentação. A propósito, nunca será demais recordar que não é o latifúndio exportador que alimenta o nosso povo, mas sim a pequena propriedade rural familiar, como o IBGE vem mostrando, há décadas.
O módulo máximo, então, do ponto de vista simplesmente físico de distribuição da terra rural, além da vantagem de possibilitar a abertura de novos espaços a novas gerações de trabalhadoras/es que explorem a terra, acrescentaria mais a de melhorar em muito o destino da sua produção.
2. Os limites políticos de propriedade da terra, como exigência necessária do respeito devido ao poder-garante dos direitos humanos de quem não tem a propriedade privada da terra.
O território brasileiro é protegido e defendido contra qualquer risco de agressão física externa, através de mais de um dispositivo da Constituição Federal, todos eles demonstrando que, dependendo do espaço, do tempo e do tipo de exploração que se faça sobre a terra, muitos outros direitos existentes sobre ela têm de ser preservados, independentemente de ela se encontrar, ou não, sob domínio privado.
Vários desses dispositivos podem servir de exemplo disso. No artigo 20, § 2º, lê-se:
"A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão regulamentadas em lei. "
No artigo 91 parágrafo primeiro, a Constituição dá poderes ao próprio Conselho de Defesa Nacional para oferecer critérios e condições de a terra ser explorada e seus recursos naturais preservados, em áreas como a de fronteira e indispensáveis a segurança do território nacional.
As jazidas minerais e os potenciais de energia hidráulica, igualmente, de acordo com o art. 176 da mesma Constituição "constituem propriedade distinta da do solo, e pertencem à União"...
A lei 5709 de 1971, por sua vez, previu 50 módulos como a área de extensão máxima permitida à aquisição de imóvel rural por estrangeiro ou pessoa jurídica estrangeira, em mais uma demonstração de que módulos máximos de extensão de terras tituladas por propriedade privada não são estranhos ao nosso ordenamento jurídico.
A lei trata dessa forma de proteger o Estado e a população brasileira de garantias como as supra indicadas, em defesa de sua segurança e de todo o patrimônio nacional assente no seu território.
Tem-se de concluir desde logo, portanto, que o estabelecimento de limites ao tamanho, ao uso e à exploração das áreas rurais, é previsto em muitas disposições legais visando fins transcendentes à terra em si, mas de significativa importância para o Estado e toda a população do país.
Todo o poder político aí representado, todavia, esquece com freqüência que o seu titular é o povo brasileiro todo, como assevera expressamente o parágrafo único do primeiro artigo da Constituição Federal:
"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."
Essa é uma disposição das mais desconsideradas pelos intérpretes da Constituição Federal, sejam eles do Poder Público sejam eles das associações que representam os latifundiários.
Acima, pois, daquela proteção e defesa de segurança do nosso território, existe um outro "território" de cogitação prioritária que, embora inspire e motive tal segurança, raramente alcança ser cogitado, em matéria de uso e exploração da terra.
Esse outro "território" é próprio do poder político-jurídico dos direitos humanos desse mesmo povo soberano, que se expressam pelas garantias devidas à cidadania e à dignidade das pessoas, como fundamentos da própria República Federativa do Brasil, (artigo 1º, incisos II e III da Constituição Federal).
Perde-se de vista o fato de que todos esses rigorosos cuidados que são devidos à integridade física e ambiental do território nacional, estão aí previstos legalmente, como condição pressuposta da segurança e da integridade física, com dignidade e cidadania, de todas/os brasileiras/os. Tanto a terra sem povo como o povo sem a terra, retiram todo o sentido de identificação tanto da terra como do povo. Essa é a razão pela qual somente se reconhece a existência do Estado quando ele tem povo, território e governo.
Sem fundamento qualquer casa cai, por óbvio, e o fato daqueles fundamentos, cidadania e dignidade da pessoa humana, pouco pesarem perante a Administração Pública ou mesmo nas decisões judiciais, quando se deparam com conflitos sobre terra, constitui manifesta infidelidade à lei e à justiça.
É como se a segurança do território fosse mais importante do que a segurança do povo e como se aquela parte desse mesmo povo, pelo simples fato de ser pobre, sem-terra ou sem-teto, jamais pudesse alcançar a condição do cidadão que já conquistou um nível de vida seguro e digno.
Não se considera o fato de que essa multidão, pela simples circunstância de ser pobre, ou até miserável, já está com os seus direitos humanos fundamentais violados, quanto mais não seja os de casa e comida, justamente aqueles que, sem melhor partilha e distribuição da terra, jamais serão respeitados, colocando a própria vida dela em risco...
Se a República Federativa do Brasil, pois, quiser identificar-se como expressão de um legítimo "Estado Democrático de Direito", como consta no primeiro artigo dessa mesma Constituição, tem de exercer todo o seu poder político em função e a serviço dessas mesmas dignidade e cidadania, coisa que somente poderá ser garantida quando os direitos humanos fundamentais sociais de todo o povo, forem reconhecidos como poderes sociais.
O respeito devido a tais direitos impõe a obviedade refletida física, política e juridicamente, como acontece com o território, que eles encontrem, efetivamente, espaço para serem exercidos, coisa que a inexistência atual de um limite máximo de extensão permitida ao direito de propriedade privada sobre terra comprova, historicamente, estar sendo inviabilizada.
Não há exagero em se afirmar, então, que, sem a democratização do acesso à terra, falta fundamento físico-territorial para a existência, a validade e a eficácia da democracia política brasileira.
3. Os limites econômicos de propriedade da terra, como exigência necessária das garantias jurídicas contrárias ao abuso da chamada liberdade de iniciativa dos latifundiários e das grandes empresas rurais.
Uma economia pode estar baseada no princípio solidário de que os bens da terra sejam acessíveis e suficientes para alimentar e dar abrigo a toda a humanidade.
Que a produção da terra é mais do que suficiente para alimentar a humanidade inteira, isso as estatísticas da FAO e da ONU comprovam-no de maneira inquestionável.
Que a fome, não obstante, ainda sacrifique e mate multidões de pobres no mundo inteiro e no Brasil, isso também é coisa mais do que conhecida.
A razão dessa trágica injustiça social reside no fato de que, para a economia capitalista que preside as nossas relações econômicas, em vez do princípio da suficiência para todos, o que vale é o do "sempre o melhor é o mais". Esse "mais" aí não significa quantidade de produção de alimentos acessível a todas/os, mas só para quem pode pagar o preço.
Ainda que o desuso ou o desperdício do "mais" sejam lamentados, eles são explicados e até "justificados" por "circunstâncias de mercado", "conjunturas sazonais", e outras desculpas.
Essa "liberdade de iniciativa", entretanto - aí se encontra outro "esquecimento" conveniente para possibilitar abusos - está prevista no art. 1º, inciso IV da Constituição Federal, logo depois dos "valores sociais do trabalho".
Embora essa liberdade não dependa de outra coisa que não a quantidade de dinheiro que a impulsione, vê-se que se trata de uma liberdade sujeita à responsabilidade, já que os valores sociais do trabalho, colocados junto dela, não podem ser pela mesma prejudicados.
Com aquele motor próprio movido a dinheiro, contudo, o Poder Público e a sociedade civil somente conseguem se socorrer do direito de se proteger e de se defender contra os seus abusos, quando esses já tiverem obtido todos os seus danosos efeitos.
São raras as vezes em que, preventivamente, isso é evitado. Na maior parte dos casos, o máximo que se obtém, quando se obtém, é reparação por um mal que já ocorreu, reparação essa que, não por acaso, aparece nas leis e nos julgamentos sob a denominação de responsabilidade civil.
Em matéria de distribuição, uso e exploração da terra, então, o modelo predominante de interpretação da lei fragiliza de tal forma os mecanismos jurídicos de prevenir os efeitos da liberdade de iniciativa econômica, especialmente quando ela age sem responsabilidade, que a injustiça por ela criada é de uma evidência aritmética.
Capaz de expansão ilimitada, como aqui já se sublinhou, ela pode "legalmente" ocupar o espaço terra, tenha esse a extensão que tiver, obedecendo tão só à quantidade de dinheiro que iguale ao seu preço, por mais que isso reduza o espaço indispensável às outras pessoas, ainda que indiretamente, pelo uso que for imposto ao mesmo espaço.
Por tal modo de interpretar o ordenamento jurídico, não há como a lei, o Estado, o povo em geral intervir aí de forma a protegerem-se, por exemplo, antecipadamente, contra um uso e uma exploração que o dito comprador desse espaço fará, se ele descumprir, como ocorre freqüentemente, a função social que as mesmas lei, Estado e povo devem obedecer...
O art. 2º do Estatuto da Terra um bom exemplo disso:
"É assegurado a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta lei."
Em primeiro lugar, raramente se observa aí que o Estatuto, coerente com o que já dissera o artigo 17 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, antes de pretender garantir o direito "de" propriedade, quer assegurar o direito "a" propriedade, ou seja, o acesso o mais universal e democrático possível a esse mesmo bem.
Por outro lado, todavia, também se deixa de observar que, dependendo do tamanho da área imóvel rural que está sendo adquirida, nem a possibilidade de restar espaço para o acesso à terra de outras pessoas estará assegurada, nem o risco de esse mesmo espaço acabar por descumprir sua função social estará descartado.
Em poucas disposições da lei, portanto, se comprova como a chamada economia de mercado, estendida ao espaço terra, aproveita a interpretação que se faz da "liberdade de iniciativa" para sobrepor-se ao poder do Estado, ao da própria lei (que deveria discipliná-la e controlá-la) e ao do povo que, pelo menos de acordo com o artigo 1º da Constituição Federal, como já se lembrou acima, deveria ser o soberano.
Assim, a liberdade de opção de quem tem poder econômico para adquirir terra acaba por inviabilizar a liberdade de emancipação da população pobre que, embora com direito de acesso à terra, vê-se privada materialmente do mesmo, na medida em que todo o espaço disponível para tanto, já foi titulado por quem tinha dinheiro para adquiri-lo...
Como os demais segmentos desse estudo pretendem demonstrar, nem tudo o que passa por "racional", do ponto de vista de um determinado modelo predominante de interpretação dos fatos e da lei, é "razoável", por mais que isso gere perplexidade a quem desconhece outra forma de acesso aos bens da terra que não seja a da capacidade econômica - liberdade de iniciativa econômica- de adquirí-los por meio de dinheiro.
Uma liberdade "de", como a econômica, não pode ser separada de uma liberdade "para", como um elementar respeito à responsabilidade humana exige. Assim, se a liberdade de opção de compra de terra, por parte de um ou alguns, vai ao ponto de, por seu poder de submeter espaço, inviabilizar a liberdade de emancipação e superação da pobreza da maioria, já não é mais possível interpretar-se qualquer gesto de defesa da última como de violação da primeira, O que existe aí é conflito entre direitos, conflito esse que, como vai-se demonstrar aqui, pode muito bem, legal e justamente, ser decidido em favor da última.
Quanto mais não fosse, o estabelecimento de um módulo máximo que limitasse a extensão admitida à aquisição de imóveis rurais, garantiria ao art. 2º do Estatuto da Terra, por um lado, eficácia igual a de garantir maior possibilidade de acesso ao bem terra para mais pessoas e, por outro, diminuição dos riscos de esse acesso, quando é feito sobre latifúndios rurais, resultar em descumprimento da sua função social, fazendo da liberdade de iniciativa econômica de alguns sinônimo de veto à liberdade social de outras/os, como a história do país tem comprovado.
É o que pretendemos detalhar a seguir, examinando os limites sociais do direito de propriedade privada da terra.
4. Os limites sociais de propriedade da terra, como exigência necessária das garantias devidas aos direitos humanos fundamentais de não proprietários, historicamente violados pelos latifúndios que descumprem a sua função social.
Quem convive com o povo pobre e trabalhador do nosso país, especialmente o sem-terra e o sem-teto, constata de modo inquestionável que três necessidades básicas, entre outras inerentes a qualquer pessoa, afligem-no diariamente, porque não são adequada e suficientemente satisfeitas, colocando a sua propria vida permanentemente em risco.
A primeira é a do ter. Ter aquelas coisas indispensáveis à uma vida digna, como casa e comida, por exemplo, para lembrar de novo as mais ligadas à terra. A segunda é a do poder. Do poder livremente dispor dos direitos humanos fundamentais de optar entre mais de uma alternativa de vida, de se organizar e opinar, de não ver o seu emprego permanentemente em risco, de participar da vida pública não somente com o voto. A terceira é a do ser. Justamente pela fragilidade do seu ter e do seu poder, essa fração do povo brasileiro em grande parte nem se sente gente, perde a confiança em si, nas/os outras/os, no Estado, na lei e nas instituições.
Ora, a Constituição Federal prevê, justamente para garantir o ter, uma ordem econômica e financeira (artigos 170 a 192); para garantir o poder, uma ordem política, essa em grande parte reconhecida a qualquer do povo em pleno título reservado aos direitos e garantias fundamentais (artigos 14 a 16) e aos partidos políticos (artigo 17); para proteção e defesa do ser das pessoas, uma ordem social que, além de outro título inteiro daquele ordenamento (o VIII, artigos 193 a 232), reserva um capítulo do Título II (relacionado com os direitos e garantias fundamentais), para tratar dos direitos sociais (artigos 6 a 11).
Nenhuma dessas ordens, nenhum poder derivado dessa solene e detalhada previsão legal, tem tido a capacidade de garantir a satisfação, justamente, daquelas três necessidades vitais da população trabalhadora e pobre do nosso país.
Assim sendo, tem-se de reconhecer que o Brasil convive, e mal, com milhões de pessoas que ainda não se "constituíram" no sentido pleno da cidadania e da dignidade humana. Ou seja, a Constituição, aqui não teve ainda o poder de traduzir sequer o seu sentido gramatical, o de constituir, o de criar, para essa multidão de povo, as condições indispensáveis de seu acesso ao gozo e exercício desses direitos humanos fundamentais, especialmente os sociais, como a saúde (aí incluída, claro, a alimentação) a educação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, entre outros.
Isso não significa, como em seguida veremos no estudo dos limites jurídico-legais da terra, que o povo que sofre dessas necessidades vitais não satisfeitas, tenha de ficar com os braços cruzados, interpretando tudo como uma fatalidade invencível.
Como se insiste nesse apontamento, essa "fatalidade" tem sido perpetuada muito mais pela cultura privatista e patrimonialista que preside atualmente a interpretação dos fatos e das leis, do que por falta de previsão legal protetiva e defensiva dos direitos humanos fundamentais da população sem terra e sem-teto.
Serve desse modelo de interpretação o modo como a Administração Pública e o próprio Judiciário aplicam o artigo 186 da Constituição Federal, exatamente aquele que obriga o direito de propriedade privada sobre terra cumprir sua função social.
Naquele artigo, a Constituição Federal previu que a função social da propriedade privada da terra é cumprida quando esse bem é simultaneamente aproveitado racional e adequadamente, com utilização dos seus recursos naturais disponíveis e preservação do meio-ambiente, com observância das disposições que regulam as relações de trabalho e de forma que a exploração da terra favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Por pouca atenção que se dê a essa importante norma jurídica, é impossível deixar-se de concluir que ela, para ser bem aplicada, precisa que o seu intérprete conheça direta ou indiretamente, através de perícia criteriosa, no mínimo, o uso(!) que está sendo dado a esta terra, sob pena de julgar-se qualquer conflito estabelecido sobre ela, desconsiderando-se a obrigação que o seu titular tem de cumprir a função social desse mesmo bem.
Embora isso parece mais do que óbvio, a verdade é a de que, na grande maioria dos despachos administrativos ou das sentenças publicadas sobre tais conflitos, tudo é julgado somente à vista do registro que a mesma terra, seja por escritura de compra e venda ou por outro título, obteve no Ofício de Imóveis.
Encerram-se aí, sem maiores discussões, os processos que tramitam, relacionados com um bem de tal relevância para a sociedade toda, como se a sua função social pudesse ser equiparada à sua função individual.
Ora, a função de uma coisa apropriada por determinada pessoa só pode ser considerada como social se, além do interesse de seu proprietário sobre ela, ela satisfaça interesses alheios, como cada um dos incisos do art. 186 demonstra de maneira clara.
É o concreto modo pelo qual, portanto, aqueles fins transcendentes à própria terra estão sendo respeitados que a sua função social pode ser julgada cumprida ou descumprida.
Quando acima se lembrou o artigo 2º do Estatuto da Terra, aqueles fins do artigo 186, o interesse alheio ao do proprietário da terra lá previsto podem estar sendo desrespeitados, exatamente, porque o interesse individual do titular da propriedade rural reduz o gozo e o exercício do seu direito, como uma relação-pertença totalmente desligada da relação-destino que a terra, por sua própria natureza, impõe seja obedecida.
O estabelecimento legal de um limite máximo de extensão do direito de propriedade privada sobre terra, como é lícito concluir-se aqui, daria chance ao Poder Público e à própria sociedade civil de medirem com muito mais agilidade e eficiência se ela cumpre, ou não, com sua função social. A relevância dessa conclusão merece tratamento a parte que será feito, a seguir, inclusivo no que ela se relaciona com as áreas indígenas e de quilombolas.
5. Alguns limites jurídico-legais do direito de propriedade privada da terra, como exigência necessária de complementação das garantias devidas aos limites físicos, políticos, econômicos e sociais acima estudados.
De tudo quanto se estudou até aqui, já é possível antecipar-se, salvo melhor juízo, que existem muitos limites legalmente previstos ao direito de propriedade privada da terra, seja em virtude da própria soberania do povo, sua cidadania e dignidade, aí considerada aquela multidão que nem é proprietária de terra, seja por imposição de segurança que preserva o território do país, seja por força da responsabilidade devida pela liberdade de iniciativa econômica, seja pelo respeito que aquele direito deve à sua função social.
Todas essas referências justificativas da imposição de limites à extensão do direito de propriedade da terra, como se observou, têm mostrado fragilidade visível em se refletirem materialmente na realidade de sua distribuição, uso e exploração, pretendendo-se se acentuar, agora, a crítica que deve ser feita ao modelo interpretativo dos fatos e das leis, em grande parte responsável, senão na maior, por esse estado de coisas.
No que concerne aos direitos humanos fundamentais mais dependentes da terra, como acontece com a alimentação e a moradia aqui tão salientadas, há possibilidade de se demonstrar esse fato.
A cada aplicação de leis infra constitucionais, por exemplo, basta que as suas disposições sejam comparadas com a Constituição Federal, para se concluir, legalmente, que os conflitos sobre terra nos quais se verifiquem opostos direitos patrimoniais ligados a latifúndios, de um lado, e direitos humanos fundamentais de pessoas sem-terra, de outro, nem sempre a lei, o direito e a justiça dão vitória aos primeiros.
Julgando recurso judicial de centenas de agricultores sem-terra ameaçados pela execução iminente de uma ordem liminar de reintegração de posse dada em favor de uma empresa latifundiária, referente a um latifúndio rural situado no município de Bossoroca, no Rio Grande do Sul, (acórdão de 06 de outubro de 1998, em agravo de instrumento nº 598360402) a 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça daquele Estado decidiu que, no caso, não se verificava esbulho possessório praticado por aqueles agricultores, mas sim conflito entre direitos patrimoniais e direitos humanos fundamentais, concluindo por manter os últimos sobre a terra, sob a seguinte e resumida argumentação:
"Os doutrinadores afirma que, havendo necessidade de sacrificar o direito de uma das partes, sacrifica-se o patrimonial, garantindo os direitos fundamentais, se a outra opção for esta. Não bastasse a doutrina apontar essa solução, o bom senso impõe tal direcionamento."
Nada mais coerente com a lei, se se levar em conta tudo quanto já se demonstrou acima sobre o respeito devido à dignidade humana e à cidadania, como fundamentos da própria República Federativa do Brasil, e nada mais coerente com os direitos humanos dessas pessoas que repetem, em todo o país, inúmeros acampamentos comprobatórios, por um lado, do injustificável atraso com que se faz a reforma agrária e, por outro, do ilícito descumprimento da função social da propriedade por parte de muitos latifúndios.
Aliás, para bem serem compreendidos e respeitados os direitos humanos fundamentais, não é preciso ir-se muito além do estudo da própria palavra "humano", para se formar convicção de que, primeiro, as próprias existência ou inexistência do direito de propriedade privada sobre a terra desses latifúndios, podem ser investigadas; segundo, a ocupação de terra, dependendo das circunstâncias de tempo, lugar e pessoas envolvidas, tem o apoio da própria lei(!); terceiro, a fixação de um limite máximo de extensão da propriedade privada sobre terra alcançaria certamente o efeito, senão de eliminar esses sempre traumáticos conflitos, geradores de muitas mortes no campo, como demonstra a CPT todos os anos, pelo menos o de diminuí-los significativamente.
É possível demonstrar essas três conjeturas aqui propostas ao debate das/os nossas/os leitoras/os.
A palavra humano vem do latim húmus (terra) e manus (mão). Assim, a própria palavra demonstra que a corporeidade humana, representada pela mão das pessoas, pela sua integridade física, pela parte do corpo que age, que atua, que trabalha, não pode ser separada da terra (húmus), que nos sustenta materialmente, pois, a vida.
Falar em direitos humanos, portanto, é falar das garantias dos meios de vida, casa e comida, por exemplo, para gozo dos quais a terra é indispensável e a mão que a trabalha também.
Disso resulta o fato de que, antes de qualquer lei promulgada pelo Estado, a natureza mesma já se encarregou de demonstrar que existe uma força normativa nas necessidades vitais das pessoas que precisa ser respeitada, sob pena de a vida delas ficar permanentemente ameaçada ou violada, como acontece agora no nosso país com os sem-terra e os sem-teto.
Isso demonstra em que extensão o direito de propriedade privada sobre latifúndio, para ter algum efeito em Juízo, carece de prova prévia de que existe, coisa que depende, legalmente, de tal direito estar cumprindo com sua função social.
Sobre a existência desse direito já se denunciou acima que, tanto o Poder Público, aí incluído Judiciário, se contentam em conferir se o título aquisitivo do direito de propriedade sobre latifúndio foi levado ao Cartório do Registro de lmóveis e se, lá, foi devidamente transcrito.
Será que isso é suficiente? Uma leitura mais cuidadosa, pelo menos dos artigos 186 da Constituição Federal e 12 Do Estatuto da Terra, demonstram que isso não é suficiente. Pelo que já se lembrou acima, quando os efeitos jurídicos do art. 186 da Constituição Federal foram analisados dentro do que está se propondo estudar como limites sociais da terra, o registro do latifúndio em nome de alguém pode provar, no máximo, que esse alguém adquiriu o direito de propriedade privada sobre terra, mas isso é bem pouco para provar, igualmente, que esse mesmo direito ainda se conserva!
Para o efeito de provar que ele ainda se conserva, o artigo 186 exige que se verifique com cuidado que a terra merece, o uso que se está fazendo dela(!), sua exploração e o destino da sua produção, sem o que nem há como se concluir se o "bem-estar dos proprietários e dos trablhadores", como naquela disposição está previsto, está sendo preservado.
O artigo 12 do Estatuto da Terra, por sua vez, confirma:
" À propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma função social e sua uso é condicionado ao bem-estar coletivo previsto na Constituição e caracterizado nesta lei."
Se a função social desse direito,portanto, é intrínseca à sua existência, e se tal função deve ser medida pelo "bem-estar coletivo" sem isso esse direito pode até considerar-se adquirido, mas não existe mais (!) e, portanto, nem pode ser oposto à uma ocupação de terra como aquela que ocorreu no município de Bossoroca/RS, lembrada acima.
A tese contrária à um tal pensamento, baseada naquele modelo patrimonialista e privatista que se faz dos fatos e da lei, predominante nas decisões da Administração Pública e dos Tribunais, muito aplaudida pelos latifundiários, segundo a qual o descumprimento das obrigações inerentes à função social da propriedade não pode ter o efeito de julgar-se inexistente esse direito, está obtendo o seguinte efeito perverso e injusto: Quando a União desapropriar um latifúndio rural, pelo fato de ele descumprir a sua função social, mesmo assim deve indenizar o seu (ainda?) proprietário, com as chamadas TDAS (Títulos da dívida agrária). Esse, quem sabe, seja o único caso em que a interpretação da lei obriga toda a sociedade a pagar alguém pelo fato de esse alguém praticar um ato ilícito, danoso contra ela. O proprietário do latifúndio usa nocivamente o seu bem e ainda é premiado por isso!
Indenização, como se sabe, vem de in-dene, ou seja, deixar alguém sem dano. No caso dessas desapropriações, alguém que pratica o dano, pela prática continuada de um ato ilícito contra toda a sociedade, é que é indenizado...
Por falar em ato ilícito, é de tal forma injusto esse modelo patrimonialista e privatista interpretativo da lei que, quando ele tem de enfrentar ações possessórias de latifundiários contra gestos de desespero de multidões pobres sem-terra e sem-teto que ocupem grandes extensões de terra das quais eles são donos, aí ele muda de lado e deixa de observar, por exemplo, que tais gestos estão com a sua ilicitude aparente previamente descartada pela própria lei!
Confira-se como isso acontece. Em favor dos latifundiários, esse modelo interpretativo costuma lembrar a possibilidade legal que eles têm de reagiram contra as ocupações de suas terras, até usando a própria força, com base no artigo 1210 parágrafo único do Código Civil:
"O possuidor turbado ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse."
É o caso de se questionar: Será que a lei não dispõe de alguma outra norma que, com a mesma prontidão, agilidade, presteza e eficiência, preveja este "desforço" em defesa da dignidade humana sob risco ou violada, como a pobreza visível em todas essas ocupações de terra revela?
O tal modelo patrimonialista e privatista de interpretação da realidade e da lei ignora essa pergunta, mas ela tem, sim, resposta no mesmo Código onde ele busca defesa para os latifundiários, e resposta que pré-exclui a ilicitude aparente dessas ocupações de terra.
Prevê o artigo 188 do Código Civil:
"Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável à remoção do perigo.
É pouco provável que exista perigo mais iminente do que a fome e a falta de teto de milhões de brasileiras/os trabalhadoras/es pobres.
Aliás, as dramáticas estatísticas do país sobre o número de pessoas famintas e sem moradia, aqui, mostram que esse perigo não é mais iminente; ele é atual (!).
Quem generaliza como ilícitas, violadoras da lei, portanto, todas as ocupações de latifúndios rurais, independentemente do exame criterioso da área imóvel ocupada (se cumpre ou não sua função social, por exemplo), das pessoas que estão envolvidas no conflito (condições humanas daquelas/es que são colocadas como rés, por exemplo), viola a lei da mesma forma como viola quando absolve os latifundiários que descumprem com a função social inerente ao seu direito.
O curioso, em todo o modelo interpretativo dos fatos e da lei que aqui se critica é que, fora do direito de propriedade privada sobre terra, ele praticamente desconhece outras formas de acesso à ela que a maioria da população pobre interiorana do nosso país consagra.
A simples posse da terra, mesmo aquela que ainda não está devidamente documentada, como acontece com muitos pequenos agricultores brasileiros, por isso mesmo chamados de simples posseiros, a posse das comunidades indígenas e a posse dos descendentes de quilombos podem ser opostas, inclusive em juízo, contra ações de latifundiários ou grandes empresas que queiram desalojar as populações aí presentes.
Essa defesa pode ser feita, no que concerne aos posseiros, entre outros, pelos artigos 1196 e seguintes do Código Civil, em vários dos quais a posse é protegida como simples poder de fato; o Estatuto da Terra, por sua vez, em várias das suas disposições, de modo particular naquelas em que ele disciplina a ocupação das terras públicas federais e das devolutas, reconhece direito dos seus ocupantes à posse das mesmas (artigos 97 a 102); no que concerne às áreas indígenas, a Constituição Federal dispôs sua proteção e defesa num capítulo inteiro (artigos 231 e 232) e, no referente aos remanescentes de quilombos, o artigo 68 do Ato das Disposições constitucionais transitórias deixou claro que, em relação às suas terras, é-lhes "reconhecida a propriedade definitiva."
Como se observa, não é por falta de legislação sobre direitos humanos de não proprietários de terra, que esses não possam ser protegidos, preventivamente, e defendidos, ativamente, quando ameaçados ou violados. Isso ainda não ocorre como deveria, entre outras causas e de acordo com o que nesse estudo tanto se insiste, pela má interpretação dessa mesma legislação, ainda muito presa ao poder econômico-político latifundiário.
Em típica reação contra isso, a Deputada Lucy Schoinaki apresentou ao Congresso Nacional um projeto de lei modificando, exatamente, o artigo 186 da Constituição Federal, aqui tão lembrado:
"O art. 186 da C.F. fica acrescido de mais um inciso:
V - área total do imóvel correspondente a, no máximo, trinta e cinco módulos fiscais, no conjunto das áreas, em todo o território nacional, sob o domínio, a qualquer título, de uma mesma pessoa física ou jurídica.
Parágrafo único. O requisito fixado no inciso V será auto aplicável, sendo que a incorporação ao patrimônio público de imóvel rural com área acima do limite estabelecido neste inciso será livre de indenização, ao titular, do respectivo valor da terra nua correspondente à parcela de área excedente aos trinta e cinco módulos fiscais.
6. Os limites éticos do direito de propriedade privada da terra, como exigência necessária das garantias devidas aos princípios constitucionais que vinculam a Administração Pública e a sociedade civil à justiça social e à solidariedade humana.
Uma verdade repetida pelo povo simples, que nem conhecimento maior tem do Estado e das leis, é a de que nem tudo que é legal é justo e nem tudo que é legal é também moralmente correto.
Nos chamados princípios constitucionais, o ordenamento jurídico brasileiro tentou, de alguma forma, prevenir-se contra os amargos efeitos daquela verdade, colocando em algumas disposições da Constituição Federal alguns valores éticos que possam nortear a boa e justa aplicação da lei.
Os valores próprios da dignidade humana e da cidadania já foram, embora muito resumidamente, apontados acima como parte dos próprios fundamentos da República e de referência obrigatória sempre que estiverem em causa direitos humanos.
Antes de tais valores poderem ser reconhecidos como legais, em verdade eles são intrinsecamente morais, ligados a cada um/a como parte integrante de sua própria personalidade, tanto que, no caso de serem colocados em conflito com outros direitos, terem o respeito a eles devido, como prioritário.
No que se relaciona com a própria Administração pública, o artigo 37 da Constituição Federal, entre outros princípios, submeteu-a ao da "moralidade".
Muitas ambigüidades de conceituação do que isso significa e muitas ambivalências verificadas nos efeitos de sua aplicação, têm contribuído para a pouca atenção que um princípio de tal relevância merece.
Assim, imoralidades presentes no comportamento de agentes políticos e funcionários públicos, como o do egoismo, da ganância, da mentira, da simulação, tem levado muitos deles, em nosso país, à corrupção, ao desvio de dinheiros públicos, ao favorecimento injustificável de umas pessoas em prejuízo de outras.
As CPIs montadas para apuração dessas mazelas, sintomaticamente, acentuam o seu poder investigativo, preferentemente, sobre as ações ilícitas praticadas pelos corruptos, muitas vezes deixando "esquecidos" e impunes, os seus corruptores. Aí se revela uma das mais solertes formas de o poder da propriedade privada, especialmente de latifundiários, garantir que os efeitos de qualquer imoralidade que pratiquem, fiquem escondidos e impunes.
Aquilo que acima já se falou sobre a liberdade de iniciativa econômica pode passar completamente despercebido, sem possibilidade de se apurar responsabilidade de quem quer que seja. Existe até um certo ar de deboche, por parte de alguns economistas, relacionado com os esforços que o povo trava contra as injustiças sociais que sofre. Perguntam eles: que tipo de investigação pode responsabilizar pessoas responsáveis por abstrações do tipo "livre mercado", ou "sistema capitalista"?
Os piores efeitos que esse mal está causando são os de, por um lado, estimular a prática nefasta dos corruptores, gente geralmente muito "bem posta" economicamente, com trânsito facilitado na Administração, e muito bem "conceituada" politicamente; por outro lado, levar o povo todo ao crescente descrédito nos ditos agentes e funcionários, no Estado como um todo, nas instituições, nas leis e, não raro, nas suas próprias organizações, do tipo sindicatos, partidos, movimentos.
Numa campanha como essa que o Fórum Nacional da Reforma Agrária agora iniciada, parece desnecessário sublinhar-se o fato de que os poderes políticos e econômicos dos latifundiários que serão prejudicados com o estabelecimento do módulo máximo, vai usar de todos os meios, os lícitos e os ilícitos, para barrar toda e qualquer tentativa de implantação legal desse limite. O fato de conseguirem fazer isso de modo anônimo, como conseguirão em muitos casos, não pode significar que a luta contrária se julgue antecipadamente derrotada. A injustiça social, tenha a origem que tiver, seja patrocinada por gente conhecida ou não, o que ela exige de todas as suas vítimas, é que se lute contra ela, como o Fórum pretende fazer. .
Isso já aconteceu em plena assembléia nacional constituinte quando esses poderes "anônimos" introduziram, à força, o inciso II no artigo 185 da Constituição Federal para ali figurar a palavra "produtiva", sabidamente um dos maiores empecilhos à execução da reforma agrária. A moral passou muito longe dos patrocinadores desse verdadeiro assalto que foi praticado contra a reforma agrária e os sem-terra do Brasil inteiro.
O Fórum certamente sabe que vai enfrentar, de novo, forças poderosíssimas dentro do Congresso Nacional (bancada ruralista, especialmente) e fora dele (federações e confederação de agricultura, além daquela grande parte da mídia subordinada aos interesses dos latifundiários).
Esse apontamento não tem nenhuma receita, nem se reconhece com experiência ou competência para opinar sobre as atividades políticas que, em defesa do módulo máximo, vão empreender cada uma das pessoas jurídicas, dos movimentos populares, das ONGs, de todas as entidades, enfim, que compõem o Fórum e vão se posicionar contrariamente àquelas forças.
Parece certo, todavia, que uma crítica moral de comportamento alheio, como aquela que o Fórum faz, censurando latifúndios, latifundiários e políticos corruptos, precisa de autoridade ética própria inatacável, sob pena de comprometer o êxito de toda a campanha, como já ocorreu no passado, envolvendo muita gente de partidos políticos considerados de esquerda e ilibados.
Uma afirmação desse tipo, antes de pretender colocar-se acima da possibilidade de qualquer erro, o que deseja mesmo é juntar a sua voz à voz de quantas/os participam do Fórum, no sentido de que não faltarão armadilhas de toda a ordem, tentativas de apanhar as/os militantes pela palavra, pela ação, pela insinuação e por todo o tipo de manobra, visando desmoralizar a campanha tão oportunamente agora iniciada.
Uma verdadeira apólice de seguro moral, ensinada por muitos mártires que morreram em defesa da dignidade humana de gente como essa multidão que o Fórum quer defender através do módulo máximo, é a da pureza de intenção que caracterizou sempre esse tipo de luta, de que dão exemplo, entre muitíssimas/os outras/os, Margarida Alves, Roseli Nunes, Eugenio Lira, Padre Josimo, Dorothy Stang.
Gente que não exerceu o poder pelo poder, nem para conservá-lo para si, muito menos para exercer dominação sobre outras/os, mas sim para servir a/o trabalhador/a, a/o próxima/o, a/o necessitada/o, a/o injustiçado, a/o pobre.
Com a certeza de que o Fórum quer ser digno da memória dessas/militantes, em defesa dos direitos humanos fundamentais do povo, fica aqui o convite final de que esse apontamento seja discutido, modificado ou contestado de acordo com o que o mesmo Fórum decidir.
O signatário fica à disposição do Fórum, igualmente, para o trabalho de redação do projeto de lei que, se o mesmo entender conveniente, encaminhar as suas propostas sobre o módulo máximo.
por Jacques Távora Alfonsin
Mais informações sobre a Campanha pelo Limite da Propriedade da Terra podem ser encontradas em sua página na Internet: www.limitedaterra.org.br
Ruralistas pressionam organizações que lutam pela conservação do meio ambiente
Uma reportagem publicada pelo jornal Valor Econômico em 24 de maio relata uma nova forma de pressão encontrada por ruralistas contra organizações que lutam pela conservação do meio ambiente no Brasil. Após declarar guerra ao Código Florestal e à legislação ambiental do país, o setor agora apela para o constrangimento de empresas financiadoras dessas organizações, no sentido de pressioná-las a “baixar o tom” de suas campanhas e ações.
Responsável pela campanha “Exterminadores do Futuro”, que procura monitorar as tentativas de desmantelamento da legislação ambiental e os(as) parlamentares responsáveis por elas, a SOS Mata Atlântica, organização associada à ABONG, foi alvo desse tipo de atitude por parte dos ruralistas. Empresas que financiam a organização foram pressionadas a retirar seus apoios caso a campanha não recuasse. Em entrevista ao Informes ABONG, Mário Mantovani, diretor de políticas públicas da SOS, fala sobre a questão.
1.Segundo reportagem do jornal Valor Econômico, publicada em 24 de maio, algumas empresas ligadas ao agronegócio teriam pressionado financiadores da SOS Mata Atlântica para que convencessem a organização a recuar na campanha Exterminadores do Futuro. Do que trata a campanha de modo geral e qual ameaça ela representa para os ruralistas?
A pressão veio de deputados ligados ao agronegócio. Eles ameaçaram convocar patrocinadores da SOS Mata Atlântica para uma audiência pública sobre as mudanças no Código Florestal brasileiro. A campanha Exterminadores do Futuro foi lançada pela SOS Mata Atlântica com o objetivo de proteger a legislação ambiental brasileira, em especial o Código Florestal. A bancada ruralista do congresso é a principal articuladora das mudanças indesejadas no Código Florestal, que podem colocar os recursos naturais brasileiros em perigo, por isso se sentiu incomodada quando a campanha foi lançada. O conteúdo da campanha pode ser conhecido em www.sosma.org.br/exterminadores
b. Como foi feita essa aproximação e de quer forma essa pressão pôde ser sentida pela organização?
Este tipo de pressão não faz sentido porque as empresas que patrocinam uma causa não participam diretamente das decisões políticas da organização patrocinada.
c. Qual foi a resposta da SOS Mata Atlântica?
A SOS Mata Atlântica esclareceu suas intenções a seus patrocinadores e continuou com sua campanha.
d. Como esse tipo de pressão pode afetar o trabalho das ONGs ambientalistas?
Em primeiro lugar, as ONGs ambientalistas precisam manter um relacionamento estreito com seus patrocinadores e serem transparentes. Mas é importante que as ONGs tenham liberdade de atuação, o que também deve ser deixado claro na relação com os patrocinadores.
Responsável pela campanha “Exterminadores do Futuro”, que procura monitorar as tentativas de desmantelamento da legislação ambiental e os(as) parlamentares responsáveis por elas, a SOS Mata Atlântica, organização associada à ABONG, foi alvo desse tipo de atitude por parte dos ruralistas. Empresas que financiam a organização foram pressionadas a retirar seus apoios caso a campanha não recuasse. Em entrevista ao Informes ABONG, Mário Mantovani, diretor de políticas públicas da SOS, fala sobre a questão.
1.Segundo reportagem do jornal Valor Econômico, publicada em 24 de maio, algumas empresas ligadas ao agronegócio teriam pressionado financiadores da SOS Mata Atlântica para que convencessem a organização a recuar na campanha Exterminadores do Futuro. Do que trata a campanha de modo geral e qual ameaça ela representa para os ruralistas?
A pressão veio de deputados ligados ao agronegócio. Eles ameaçaram convocar patrocinadores da SOS Mata Atlântica para uma audiência pública sobre as mudanças no Código Florestal brasileiro. A campanha Exterminadores do Futuro foi lançada pela SOS Mata Atlântica com o objetivo de proteger a legislação ambiental brasileira, em especial o Código Florestal. A bancada ruralista do congresso é a principal articuladora das mudanças indesejadas no Código Florestal, que podem colocar os recursos naturais brasileiros em perigo, por isso se sentiu incomodada quando a campanha foi lançada. O conteúdo da campanha pode ser conhecido em www.sosma.org.br/exterminadores
b. Como foi feita essa aproximação e de quer forma essa pressão pôde ser sentida pela organização?
Este tipo de pressão não faz sentido porque as empresas que patrocinam uma causa não participam diretamente das decisões políticas da organização patrocinada.
c. Qual foi a resposta da SOS Mata Atlântica?
A SOS Mata Atlântica esclareceu suas intenções a seus patrocinadores e continuou com sua campanha.
d. Como esse tipo de pressão pode afetar o trabalho das ONGs ambientalistas?
Em primeiro lugar, as ONGs ambientalistas precisam manter um relacionamento estreito com seus patrocinadores e serem transparentes. Mas é importante que as ONGs tenham liberdade de atuação, o que também deve ser deixado claro na relação com os patrocinadores.
II Assembleia Popular Nacional reúne movimentos sociais em Luiziania
Entre os dias 25 e 28 de maio, foi realizada, em Luziânia (DF), a II Assembleia Popular Nacional. A atividade reuniu cerca de 500 militantes de movimentos sociais, pastorais e entidades da sociedade civil. A Assembleia Popular é uma articulação que começou com a I Assembleia Popular Nacional, em outubro de 2005, e que reuniu oito mil participantes. Naquela ocasião, os participantes discutiram durante quatro dias um projeto popular de sociedade, chamado de “O Brasil que queremos”. Este projeto foi transformado em um livreto difundido por todo o país, que foi lido e debatido em comunidades, movimentos e pastorais.
Agora, cinco anos depois, a II AP se propôs a debater e atualizar este projeto popular. Uma primeira versão desta atualização foi enviada em janeiro para todos os participantes da Assembleia Popular para ser apreciada e receber contribuições das bases.
O primeiro dia de atividades foi dedicado à análise da conjuntura, feita pela Irmã Delci, das Pastorais Sociais, e por Joaquin Piñero, do MST. Irmã Delci traçou um panorama das crises pelas quais o mundo está passando atualmente, desde a crise econômica internacional, passando pela energética, alimentar, do trabalho, até a crise climática/ecológica. O momento atual é marcado por uma forte consciência da crise ecológica e de que esta é produzida pelo modelo produtivista-consumista capitalista que, para obter lucros cada vez maiores, explora os trabalhadores, e também a Terra, seus recursos naturais, com o risco de inviabilizar a vida humana. A análise contemplou também a fase atual do Estado brasileiro, que retomou nos últimos anos o desenvolvimentismo típico dos militares com seus mega-projetos e o financiamento público de grandes empresas privadas, via BNDES. Esta nova fase do governo Lula ignora qualquer preocupação ambiental, vide a construção das hidrelétricas nos rios Madeira, Xingu e Tapajós, e também o investimento em energia nuclear, abandonado há muitos anos (Leia aqui a análise completa feita por Irmã Delci).
Joaquin Piñero se deteve mais na conjuntura latino-americana, na qual observou a presença de três projetos: o projeto imperialista, o projeto de integração capitalista – hegemonizado pelo Brasil – e o projeto alternativo da ALBA (Aliança Bolivariana das Américas).
O segundo e o terceiro dia foram dedicados à discussão do projeto popular “O Brasil que queremos”. Já incluindo as contribuições vindas das bases, o texto foi discutido em seis mini-plenárias, aprofundando os eixos que constituem o documento, que são: Direitos Ambientais, Direitos Políticos, Direitos Civis, Direitos Sociais, Direitos Econômicos e Direitos Culturais. A sociedade que se quer, entre outras coisas, deve ter uma economia a serviço da vida e uma organização política baseada na democracia participativa, na participação do povo nas decisões – inclusive no que se refere à política econômica – e no controle social da atividade política. Deve dar particular atenção aos direitos culturais dos povos tradicionais, indígenas, quilombolas e ribeirinhos(as). Deve garantir os direitos sociais a todos os cidadãos e todas as cidadãs. Entre outros, precisa garantir a seguridade social – saúde, previdência, assistência – e suas fontes de recursos, posicionando-se claramente contra as tentativas de reformas prejudiciais aos interesses dos(as) trabalhadores(as).
A II AP terminou com a discussão sobre os desafios para o próximo período, as lutas a desenvolver e as formas de organização da própria Assembleia Popular. A proposta é continuar a construir esta grande articulação, respeitando a diversidade dos movimentos, entidades e pastorais, buscando enraizamento nas bases e mais atividades de formação.Todos os dias da atividade foram abertos por um momento de mística – celebração, animação, cantos – e também encerrados assim. O encontro foi marcado por um grande entusiasmo, pela troca de experiências, partilha das dificuldades que marcam a fase atual dos movimentos e organizações populares assim como das conquistas obtidas nos últimos anos.
Agora, cinco anos depois, a II AP se propôs a debater e atualizar este projeto popular. Uma primeira versão desta atualização foi enviada em janeiro para todos os participantes da Assembleia Popular para ser apreciada e receber contribuições das bases.
O primeiro dia de atividades foi dedicado à análise da conjuntura, feita pela Irmã Delci, das Pastorais Sociais, e por Joaquin Piñero, do MST. Irmã Delci traçou um panorama das crises pelas quais o mundo está passando atualmente, desde a crise econômica internacional, passando pela energética, alimentar, do trabalho, até a crise climática/ecológica. O momento atual é marcado por uma forte consciência da crise ecológica e de que esta é produzida pelo modelo produtivista-consumista capitalista que, para obter lucros cada vez maiores, explora os trabalhadores, e também a Terra, seus recursos naturais, com o risco de inviabilizar a vida humana. A análise contemplou também a fase atual do Estado brasileiro, que retomou nos últimos anos o desenvolvimentismo típico dos militares com seus mega-projetos e o financiamento público de grandes empresas privadas, via BNDES. Esta nova fase do governo Lula ignora qualquer preocupação ambiental, vide a construção das hidrelétricas nos rios Madeira, Xingu e Tapajós, e também o investimento em energia nuclear, abandonado há muitos anos (Leia aqui a análise completa feita por Irmã Delci).
Joaquin Piñero se deteve mais na conjuntura latino-americana, na qual observou a presença de três projetos: o projeto imperialista, o projeto de integração capitalista – hegemonizado pelo Brasil – e o projeto alternativo da ALBA (Aliança Bolivariana das Américas).
O segundo e o terceiro dia foram dedicados à discussão do projeto popular “O Brasil que queremos”. Já incluindo as contribuições vindas das bases, o texto foi discutido em seis mini-plenárias, aprofundando os eixos que constituem o documento, que são: Direitos Ambientais, Direitos Políticos, Direitos Civis, Direitos Sociais, Direitos Econômicos e Direitos Culturais. A sociedade que se quer, entre outras coisas, deve ter uma economia a serviço da vida e uma organização política baseada na democracia participativa, na participação do povo nas decisões – inclusive no que se refere à política econômica – e no controle social da atividade política. Deve dar particular atenção aos direitos culturais dos povos tradicionais, indígenas, quilombolas e ribeirinhos(as). Deve garantir os direitos sociais a todos os cidadãos e todas as cidadãs. Entre outros, precisa garantir a seguridade social – saúde, previdência, assistência – e suas fontes de recursos, posicionando-se claramente contra as tentativas de reformas prejudiciais aos interesses dos(as) trabalhadores(as).
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