FALA LEONARDO BOFF


Qual será o próximo passo?

Cremos que agora poderá surgir um ser humano com outro passo, pois será marcado pelo inexaurível capital espiritual. Agora é o mundo do ser mais que o mundo do ter.

A situação atual da Terra e da Humanidade nos faz pensar. Consolidou-se a aldeia global. Ocupamos praticamente todo o espaço terrestre e exploramos o capital natural até os confins da matéria e da vida, com a utilização da razão instrumental-analítica.

A pergunta que se coloca agora é: qual será o próximo passo? Mais do mesmo? Mas isso é muito arriscado, pois o paradigma atual está assentado sobre o poder como dominação da natureza e dos seres humanos. Não devemos esquecer que ele criou a máquina de morte que pode destruir a todos nós e a vida de Gaia. Esse caminho parece ter-se esgotado. Do capital material temos que passar ao capital espiritual. O capital material tem limites e se exaure. O espiritual, é ilimitado e inexaurível. Não há limites para o amor, a compaixão, o cuidado, a criatividade, realidades intangíveis que perfazem o capital espiritual.

Este foi parcamente explorado por nós. Mas ele pode representar a grande alternativa. A centralidade do capital espiritual reside na vida, na alegria, na relação inclusiva, no amor incondicional e na capacidade de transcendência. Não significa que tenhamos que dispensar a tecnociência. Sem ela não atenderíamos as demandas humanas. Mas ela não seria mais destrutiva da vida. Se no capital material a razão instrumental era seu motor, no capital espiritual é a razão cordial e sensível que organizará a vida social e a produção. Na razão cordial estão radicados os valores; dela se alimenta a vida espiritual pois produz as obras do espírito que referimos acima: o amor, a solidariedade e a transcendência.

Se no tempo dos dinossauros houvesse um observador hipotético que se perguntasse pelo próximo passo da evolução, provavelmente diria: o aparecimento de espécies de dinos ainda maiores e mais vorazes. Mas ele estaria engado. Sequer imaginaria que de um pequeno mamífero que vivia na copa das árvores mais altas, alimentando-se de flores e de brotos e tremendo de medo de ser devorado pelos dinossauros, iria irromper, milhões de anos depois, algo absolutamente impensado: um ser de consciência e de inteligência - o ser humano - com uma qualidade totalmente diferente daquela dos dinossauros. Foi um passo diferente.

Cremos que agora poderá surgir um ser humano com outro passo, pois será marcado pelo inexaurível capital espiritual. Agora é o mundo do ser mais que o mundo do ter.

O próximo passo, então, seria exatamente este: descobrir o capital espiritual inesgotável e começar a organizar a vida, a produção, a sociedade e o cotidiano a partir dele. Então a economia estará a serviço da vida e a vida se imbuirá dos valores da alegria e da auto-realização, uma verdadeira alternativa ao paradigma vigente.

Mas este passo não é mecânico. É voluntário. Quer dizer, ele é oferecido à nossa liberdade. Podemos acolhe-lo como podemos também recusa-lo. Ele não se identifica com nenhuma religião. Ele é algo anterior, que emerge das virtualidades da evolução consciente. Quem o acolhe, viverá outro sentido de vida, vivenciará também um novo futuro. Os outros continuarão sofrendo os impasses do atual modo de ser e se perguntarão, agustiados, pelo seu futuro e até sobre o eventual desparecimento da espécie humana.

Estimo que a atual crise mundial nos abre a possibilidade de um novo passo rumo a um modo de ser mais alto. Dizem por aí que Jesus, Francisco de Assis, Gandhi e tantos outros mestres do passado e do presente teriam, antecipadamente, dado já esse passo.

Princípio-Terra

Se nada for feito, iremos ao encontro do pior e milhões de seres humanos poderão deixar de viver sobre o planeta.

Nunca se falou tanto da Terra como nos últimos tempos. Parece até que a Terra acaba de ser descoberta. Os seres humanos fizeram um sem número de descobertas, de povos indígenas embrenhados nas florestas remotas, de seres novos da natureza, de terras distantes e de continentes inteiros. Mas a Terra nunca foi objeto de descoberta. Foi preciso que saíssemos dela e a víssemos a partir de fora, para então descobri-la como Terra e Casa Comum.

Isso ocorreu a partir dos anos 60 com as viagens espaciais. Os astronautas nos revelaram imagens nunca dantes vistas. Usaram expressões patéticas, como "a Terra parece uma árvore de Natal, dependurada no fundo escuro do universo", "ela é belíssima, resplandecente, azul-branca", " ela cabe na palma de minha mão e pode ser encoberta com meu polegar". Outros tiveram sentimentos de veneração e de gratidão e rezaram. Todos voltaram com renovado amor pela boa e velha Terra, nossa Mãe.

Esta imagem do globo terrestre visto do espaço exterior, divulgado diariamente pelas televisões do mundo inteiro, suscita em nós sentimento de sacralidade e está criando novo estado de consciência. Na perspectiva dos astronautas, a partir do cosmos, Terra e Humanidade formam uma única entidade. Nós não vivemos apenas sobre a Terra. Somos a própria Terra que sente, pensa, ama, sonha, venera e cuida.

Mas nos últimos tempos se anunciaram graves ameaças que pesam sobre a totalidade de nossa Terra. Os dados publicados a partir de 2 de fevereiro de 2007 culminando em 17 de novembro pelo organismo da ONU Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, com os impasses recentes em Bali nos dão conta de que já entramos na fase do aquecimento global com mudanças abruptas e irreversíveis. Ele pode variar de 1,4 até 6 graus Celsius, dependendo das regiões terrestres. As mudanças climáticas possuem origem andrópica, quer dizer, tem no ser humano que inaugurou o processo industrialista selvagem, seu principal causador.

Se nada for feito, iremos ao encontro do pior e milhões de seres humanos poderão deixar de viver sobre o planeta.

Como destruimos irresponsavelmente, devemos agora regenerar urgentemente. A salvação da Terra não cái do céu. Será fruto da nova corresponsabilidade e do renovado cuidado de toda a família humana.

Dada esta situação nova, a Terra se tornou, de fato, o obscuro e grande objeto do cuidado e do amor humano. Ela não é o centro físico do universo como pensavam os antigos, mas ela se tornou, nos últimos tempos, o centro afetivo da humanidade. Só temos este planeta para nós. É daqui que contemplamos o inteiro universo. É aqui que trabalhamos, amamos, choramos, esperamos, sonhamos e veneramos. É a partir da Terra que fazemos a grande travessia rumo ao além.

Lentamente estamos descobrindo que o valor supremo é assegurar a persistência do planeta Terra e garantir as condições ecológicas e espirituais para que a espécie humana se realize e toda a comunidade de vida se perpetue.

Em razão desta nova consciência. falamos do princípio Terra. Ele funda uma nova radicalidade. Cada saber, cada instituição, cada religião e cada pessoa deve colocar-se esta pergunta: que faço eu para preservar a mátria comum e garantir que tenha futuro, já que ela há 4,3 bilhões de anos está sendo construida e merece continuar a exitir? Porque somos Terra não haverá para nós céu sem Terra.

*Publicado também no Jornal do Brasil de 04/04/2008

Leonardo Boff é teólogo e membro fundador do CDDH.

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